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Os espaços da Educação Financeira na formação de professor de Matemática em uma instituição federal de São Paulo
The spaces of Financial Education in Mathematics teacher education in a federal institution of São Paulo
Los espacios de la Educación Financiera em la formación del professor de Matemáticas en una institución federal de São Paulo
Revemop, vol.. 1, núm. 2, 2019
Universidade Federal de Ouro Preto

Artigos

Revemop
Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil
ISSN-e: 2596-0245
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 1, núm. 2, 2019

Recepção: 13 Outubro 2018

Aprovação: 12 Dezembro 2018

Publicado: 01 Maio 2019

Copyright Revemop 2019.

Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Compartilhamento Pela Mesma Licença.

Resumo: A recente homologação da Base Nacional Comum Curricular reforça a necessidade de se pensar no desafio de promover a Educação Financeira, desde as séries iniciais da educação escolar até a formação em nível superior, em especial nos cursos de formação do professor de Matemática, devido ao elo existente entre a Educação Financeira e a Matemática Financeira. Além disso, o aumento dos índices de endividamento da população brasileira, observados nos últimos anos, também reforça a necessidade de um repensar sobre a promoção da Educação Financeira nos ambientes escolares, como parte integrante da formação cidadã do aluno. Enquanto pesquisadores em Educação Matemática, nosso olhar está voltado a conhecer os espaços da Educação Financeira nos cursos de formação inicial do professor de Matemática oferecidos por uma instituição pública federal do Estado de São Paulo, bem como em buscar possibilidades e direcionamentos para a sua promoção nos ambientes escolares, em geral. Essa busca está sendo realizada junto aos formadores de professores, ou seja, professores que atuam nos cursos de Licenciatura em Matemática oferecidos pela instituição, a partir de uma pesquisa qualitativa que privilegia a formação de um grupo que se reuniu virtualmente e foi engajado por meio de um trabalho colaborativo. O diálogo com as contribuições da Educação Matemática Crítica é eminente desde as primeiras discussões do grupo, direcionando as discussões teóricas da pesquisa até o presente momento. Compartilhamos, nesse artigo, uma análise dos planos de ensino das disciplinas voltadas ao tema e das reflexões iniciais desencadeadas no ambiente virtual proposto, junto aos formadores de professores. Até o momento, destacamos uma variação significativa entre as propostas curriculares para a disciplina de Matemática Financeira nos diferentes campi analisados e, ao mesmo tempo, uma aproximação entre os anseios e preocupações em relação ao oferecimento de algo mais voltado para a formação financeira dos futuros professores de Matemática.

Palavras-chave: Educação Financeira, Educação Matemática, Formação de professores, Planos de ensino, Educación Financiera, Educación Matemática, Formación de profesores, Plans de ensenânza.

Abstract: The recent homologation of the National Curricular Common Base reinforces the need to think about the challenge of promoting Financial Education, from the initial series of school education to undergraduate level, especially in the Mathematics teacher training courses due to the link between Financial Education and Financial Mathematics. Moreover, the increase in the indebtedness indices of the Brazilian population, observed in recent years, also reinforces the need to rethink the promotion of Financial Education in school environments, as an integral part of the student's citizenship education. As researchers in Mathematics Education, our aim is to know the spaces of Financial Education in undergraduate courses for Mathematics teachers offered by a federal public institution of the State of São Paulo, as well as to look for possibilities and directions for its promotion in general school environments. This work is being carried out with teachers' trainers, that is, teachers who work in the Mathematics Degree courses offered by the institution, based on a qualitative research that favors the formation of a group, which met virtually and was engaged through a collaborative work. The dialogue with the contributions of Critical Mathematics Education has been eminent since the first discussions of the group, directing the theoretical discussions of the research until the present moment. We share in this article an analysis of the educational plans of disciplines related to the subject and of the initial reflections triggered in the proposed virtual environment, together with the teacher trainers. So far, we have pointed out a significant variation between the curricular proposals for the discipline of Financial Mathematics, in the different campi analyzed and, at the same time, an approximation between the yearnings and concerns in relation to the offering of something more oriented to the financial formation of the futures Mathematics teachers.

Keywords: Financial Education, Mathematics Education, Teacher Education, Education Plans.

Resumen: La homologación reciente de la Base Nacional Común Curricular refuerza la necesidad de pensando en el desafío de promover la Educación Financiera, de la serie inicial de la educación escolar hasta la formación en el nivel superior, en especial en los cursos de formación de profesor de Matemáticas, debido a la relación existente entre la Educación Financiera y las Matemáticas Financieras. Además, el aumento índice de la deuda de la población brasileña, observado en los últimos años, refuerza la necesidad de repensar la promoción de la Educación Financiera en los ambientes escolares, como parte integrante de la formación ciudadana de los alumnos. Mientras investigadores en la Educación Matemática, nuestro vistazo se vuelve a conocer los espacios de la Educación Financiera en los cursos de la formación inicial del profesor de Matemáticas ofrecidas por un organismo público federal del estado de San Paulo, así como en la busca posibilidades y direccionamientos para su promoción en los ambientes escolares, en general. Esta búsqueda se está realizando cerca de los formadores de los profesores, en otras palabras, profesores que actúan en los cursos de la Licenciatura en Matemáticas ofrecidas por la institución, a partir de una investigación cualitativa que privilegia la formación de un grupo que se reunió virtualmente y fue engajado a través de un trabajo colaborativo. El diálogo con las contribuciones de la Educación Matemática Crítica es eminente desde las primeras discusiones del grupo, direccionando las discusiones teóricas de la investigación hasta el momento presente. Compartimos, en este artículo, un análisis de los planes de enseñanza de las disciplinas envuelta a la temática y las reflexiones iniciales desarrolladas en el ambiente virtual propuesto, junto a los formadores de los profesores. Hasta el momento, destacamos una variación significativa entre las propuestas curriculares para la disciplina de Matemáticas Financieras en los diferentes campos analizado y, al mismo tiempo, una aproximación entre los deseos y preocupaciones en relación al ofrecimiento de algo más relacionado a la formación financiera de los futuros profesores de Matemáticas.

1 Introdução

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi homologada em dezembro de 2017 pelo Governo Federal, constituindo-se em um documento que tem como principal propósito ser usado como referência para a construção dos currículos escolares da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. A sua elaboração teve início em 2015 e foi conduzida por órgãos como o Ministério da Educação (MEC) e o Conselho Nacional de Educação (CNE), entre outros. A iniciativa também prevê um debate do documento no interior dos Estados e Municípios, visando à construção de currículos e estratégias locais. Na terceira versão da BNCC para o Ensino Médio, encaminhada para o parecer final em abril de 2018, a Educação Financeira configura-se como uma temática contemplada em habilidades dos componentes curriculares, que devem ser tratadas segundo as especificidades e de forma contextualizada.

A presença da Educação Financeira é verificada de forma direta, a partir do 4º ano da Educação Básica, estendendo-se até o Ensino Médio. Como exemplos podemos citar duas habilidades previstas na Base a serem trabalhadas pela área da Matemática, uma para o 4º ano do Ensino Fundamental e outra para o Ensino Médio, respectivamente. A primeira prevê que o aluno resolva e elabore problemas que envolvam situações de compra e venda e formas de pagamento, enfatizando o consumo ético, consciente e responsável; a segunda orienta para o planejamento e realização de ações envolvendo a criação e a utilização de aplicativos, jogos, planilhas para o controle de orçamento familiar, simuladores de cálculos de juros compostos, dentre outros, visando à aplicação de conceitos matemáticos e à tomada de decisões.

Nesse sentido, nos perguntamos se o professor de Matemática se sente engajado para o trabalho com a Educação Financeira e, antes ainda, se a sua formação contempla disciplinas e ações que favorecem esse trabalho.

Na busca por respostas, voltamos a nossa atenção para a formação inicial de professores de Matemática oferecida pelo Instituto Federal de São Paulo (IFSP), devido à sua abrangência no Estado de São Paulo e por entendermos que esta instituição é um campo fértil para a pesquisa, uma vez que a formação de professores é uma de suas prerrogativas e a instituição tem aumentando a oferta de cursos com esse propósito desde a sua criação. Estamos olhando, especificamente, para os onze[1]campi onde são oferecidos o curso Licenciatura em Matemática.

Assim, em 2017, demos início a uma análise dos projetos pedagógicos dos cursos Licenciatura em Matemática, fazendo um levantamento das disciplinas voltadas à Educação Financeira e suas ementas, objetivos e conteúdos programáticos. Tais documentos são de domínio público e estão disponibilizados em formato digital no site da instituição. Paralelamente, iniciamos o contato com os professores do IFSP que atuam junto às licenciaturas, apresentando os objetivos e convidando-os para colaborar com o desenvolvimento da pesquisa[2].

Propusemos identificar colaborativamente, junto aos docentes formadores de professores, elementos que eles consideram importantes para um trabalho voltado à Educação Financeira: as temáticas que devem ser tratadas em sala de aula e os conteúdos matemáticos necessários à sua promoção; as abordagens metodológicas que favorecem o trabalho nessa área; os recursos tecnológicos mais importantes para o desenvolvimento desse trabalho; os avanços, dificuldades e possibilidades de trabalho, entre outros. A coleta de dados também contempla a realização de entrevistas com os coordenadores de curso e com os docentes formadores de professores, cuja percepção e prática são essenciais para atingir os objetivos almejados.

Inspirados no desenvolvimento de um trabalho colaborativo, conforme orienta Fiorentini (2013), convidamos os formadores para participar como colaboradores de um grupo de pesquisa[3], visando à socialização de experiências voltadas ao ensino da disciplina de Matemática Financeira (ou outras correlatas), para que o grupo pudesse refletir sobre tais experiências, ler e discutir textos (artigos, documentos oficiais, pesquisas, entre outros), levantando aspectos relevantes que precisam ser considerados na formação de professores, sob a temática da Educação Financeira. No entender desse autor, são muitos os motivos que mobilizam os professores para participar de um grupo, entre eles a busca pelo próprio desenvolvimento profissional e o interesse em pesquisar sore a própria prática. Ele também destaca que

a opção por um determinado grupo (ou constituir um), entretanto, é influenciada pela sua identificação com os integrantes e pela possibilidade de compartilhar problemas, experiências e objetivos comuns. Tal identificação não significa a presença de sujeitos iguais a ele [...], mas de pessoas dispostas a compartilhar algo de interesse comum, podendo apresentar olhares e entendimentos diferentes sobre os conceitos matemáticos e os saberes didático-pedagógicos e experiências relativos ao ensino e à aprendizagem da Matemática (FIORENTINI, 2013, p. 60-61).

Dessa forma, entendemos que o ambiente do grupo de pesquisa favorece, além da socialização de conhecimentos e práticas, a divulgação de suas experiências, o suporte para novas práticas, a pesquisa de temas de interesse comum, além da possível produção científica dos mesmos.

Entre as características citadas pelo autor para conceber um grupo de trabalho colaborativo, destacamos algumas abaixo:

Há um forte desejo de compartilhar saberes e experiências, reservando-se, para isso, um tempo livre para participar do grupo. Os integrantes compartilham significados acerca do que estão fazendo e aprendendo, e o que isso significa para suas vidas e sua prática profissional (FIORENTINI, 2013, p. 65-66).

Segundo Fullan e Hargreaves (2000), muitas escolas possuem uma cultura balcanizada de professor, composta por grupos separados e normalmente competitivos, com poucas conexões. Esses autores entendem que, para que essa cultura seja transpassada, é preciso se atentar ao fato de que as colaborações efetivas não podem ser propostas apenas externamente, pois elas “se realizam no mundo das ideias, examinando-se, se maneira crítica, as práticas existentes [...]” (FULLAN e HARGREAVES, 2000, p. 74) e levando em consideração o princípio da ideia de colaboração na formação docente, que é a vontade de querer trabalhar junto com outros professores. Por essa razão, Hargreaves (1998) nos alerta para não confundir a colaboração com o trabalho coletivo, que pode ser permeado apenas por uma colegialidade artificial e, muitas vezes, por um engajamento externo com qual o professor não se identifica. O trabalho colaborativo respeita, antes de tudo, a voluntariedade dos professores, a partir de uma identificação de interesses e um desejo de compartilhar saberes e experiências.

Para o ambiente de discussão do grupo utilizamos uma sala virtual do projeto de eLearning da Universidade Estadual Paulista (Unesp). O software utilizado foi o Adobe Connect Pro que possui ferramentas de videoconferência, audioconferência, compartilhamento da tela do computador e de arquivos, entre outras. A partir de um link gerado pelo software, os participantes eram direcionados para uma sala virtual onde as discussões foram geradas e gravadas para posterior análise.

A análise dos encontros virtuais ainda se encontra em fase inicial e não é o nosso objetivo trazê-la, nesse momento. No entanto, é inevitável que as discussões geradas no Grupo ecoem na discussão a que propomos nesse artigo, cujo foco está na análise dos espaços da Educação Financeira nos cursos de Licenciatura em Matemática, oferecido pela instituição analisada.

2 Os espaços da Educação Financeira: uma análise a partir dos planos de ensino

2.1 Uma primeira análise – características gerais das disciplinas

Ainda em 2017 demos início à análise dos Projetos Político-Pedagógicos[4] (PPC) dos cursos Licenciatura em Matemática do IFSP. Nos atentamos, em especial, às ementas, aos objetivos e conteúdos previstos para a disciplina voltada à abordagem da Educação Financeira. Há indícios de que alguns PPC podem ter sofrido alterações, dado que constantemente esses documentos são reavaliados pelos colegiados de curso e coordenadorias próprias; no entanto, a maioria se mantém idêntica ao período de análise. Elaboramos, então, um quadro-resumo com informações sobre: nome da disciplina, carga horária, semestre em que está inserida na grade curricular, ementa, objetivos e conteúdos programáticos; este quadro foi, inclusive, motivo de análise e discussão no segundo encontro virtual do grupo, por decisão coletiva.

Em cinco dos campi analisados, 3, 4, 6, 7 e 8, a disciplina ainda não havia sido lecionada, dado que a implementação do curso (ou de um novo PPC, reformulado, onde a disciplina foi inserida) é recente e ainda não chegou o momento de ser oferecida. Assim, foram utilizados dois critérios para o convite aos participantes: o primeiro foi que o professor deveria atuar no curso Licenciatura em Matemática, ou seja, ser um formador de professores; o segundo, que o docente deveria ter experiência com a disciplina de Matemática Financeira (ou correlatas), em cursos de Licenciatura ou mesmo em outros cursos ou instituições. Nestes cinco campi, três docentes participantes eram formadores de professores, mas a experiência com Matemática Financeira se deu em outros cursos, pois a disciplina ainda não fora oferecida na Licenciatura; em um deles ninguém se interessou em participar da pesquisa e, em outro, o docente participou apenas de um levantamento inicial de informações e da entrevista, por questões pessoais.

Em outros cinco campi, 2, 5, 9, 10 e 11, a disciplina já foi oferecida em anos anteriores. No campus 1 a disciplina foi oferecida pela primeira vez no primeiro semestre de 2018.

Em relação ao nome da disciplina, observa-se no Gráfico 1 que, na maioria dos campi, ela é chamada de Matemática Financeira; apenas em um deles aparece o termo Educação Financeira e, curiosamente, em um deles o nome da disciplina é Fundamentos de Matemática Elementar III.

Nesse último, em especial, há uma curiosidade: a disciplina é oferecida no 3º semestre do curso e pode-se observar no conteúdo programático que ela está dividida em dois momentos: Lógica e Educação Financeira. Segundo a professora Sara, docente participante e coordenadora, na ocasião da elaboração do PPC, não há um porquê pedagógico que justifique essa junção. Tratou-se de um acerto para que fosse incluído no programa apenas mais um componente curricular, em vez de dois. Sara nos explicou que a incorporação da disciplina no programa curricular se deu em virtude da demanda de aumento da carga horária das licenciaturas para 3200 horas, prevista na Resolução nº 2 de 1 de julho de 2015, do Conselho Nacional de Educação. Foi a partir dessa demanda que a maioria dos cursos incluiu uma disciplina voltada à Educação Financeira.


Gráfico 1
Nome da disciplina e quantidade de campi que o adotam.
Elaboração dos Autores

A carga horária também varia bastante, conforme podemos observar no Gráfico 2 abaixo:


Gráfico 2
Número de horas/aulas semanais e quantidade de campi que o adotam
Elaboração dos Autores

No entanto, não conseguimos visualizar nos planos diferenças significativas que justifiquem essa variação. Uma possível explicação pode ter relação com a abordagem que se dá à disciplina, ao uso (ou não) de recursos tecnológicos incorporados aos processos de ensino e de aprendizagem e a presença, em caráter de revisão, de temas da Educação Básica como pré-requisitos para a compreensão dos conceitos estudados na disciplina (Progressões, por exemplo).

Observamos também uma variação em relação ao momento em que a disciplina está contemplada no programa curricular, como podemos ver no Gráfico 3.


Gráfico 3
Semestre em que a disciplina é alocada na grade curricular e quantidade de câmpus que o adotam.
Elaboração dos Autores

São dados que mostram indícios de que não há um consenso entre qual o melhor momento para tratar assuntos relacionados à Educação Financeira, embora isso não seja, para nós, decisivo para promover as discussões necessárias sobre o tema. Também não julgamos decisivo o número de horas/aulas, pois os conteúdos programáticos não são idênticos e os objetivos apresentam diferenças importantes; pode haver casos em que a disciplina é oferecida em 4 horas/aulas semanais e esse número ser insuficiente para tratar a questão em sua abrangência, bem como casos em que a disciplina é oferecida em 2 horas/aulas semanais e esse número ser suficiente para a abordagem proposta.

Já o nome da disciplina revela que a preocupação pode estar mais focada na discussão matemática pertinente às operações financeiras, uma vez que os conteúdos matemáticos ocupam uma posição central nos planos de ensino. E a discussão matemática é, sem dúvida, demasiadamente importante no nosso ponto de vista, desde que não se detenha em uma abordagem que privilegia o paradigma do exercício, conforme descreve Skovsmose (2008) e do qual trataremos mais adiante.

Percebemos a presença das tecnologias digitais nos planos de ensino das disciplinas e também nas falas dos docentes durante os encontros virtuais. Há um destaque para as planilhas eletrônicas e os emuladores de calculadora financeira, além do uso de calculadoras científicas para a realização dos cálculos matemáticos. O papel das tecnologias digitais ainda será alvo de nossas análises futuras, tanto no que diz respeito à presença delas nas práticas dos docentes, quanto no ambiente virtual de discussão promovido para a coleta de dados.

2.2 Análise das ementas, objetivos e conteúdos propostos, em diálogo com a literatura

Uma investigação inicial de pesquisas e artigos que tratam da Educação Financeira, em geral, nos dá indícios de que a sua promoção ainda está em haver nos ambientes escolares, conforme sugerem Gouvêa (2006), Kistemann Jr. (2011), Pelicioli (2011), Hofmann e Moro (2012), Campos e Kistemann Jr. (2013), Brito, Kistemann Jr. e Silva (2014).

O grupo de formadores de professores, a partir de uma análise inicial, parece compreender ser evidente a presença da Matemática Financeira nos currículos da Licenciatura, mas que lecionar Matemática Financeira é diferente de promover Educação Financeira, visualizando os espaços da primeira, mas compreendendo que a segunda parece abranger um campo de atuação maior, não se restringindo a abordagem matemática e não sendo possível de ser contemplada em uma única disciplina durante a graduação.

A análise inicial dos planos de ensino mostra que é evidente a forma individual com que os diferentes campi definiram as características das disciplinas analisadas. Não há uma afinidade entre os objetivos, em especial; em alguns observamos objetivos mais voltados ao desenvolvimento de habilidades matemáticas, mais voltadas aos cálculos, como no exemplo a seguir:

Demonstrar, aplicar propriedades e resolver problemas relativos às sequências de números reais com foco em particular para as progressões aritméticas, geométricas, suas variações e as recorrências; aplicar conceitos e propriedades das progressões no estudo das noções básicas de matemática financeira; resolver problemas de matemática financeira básica e problemas de otimização; construir, comparar e analisar tabelas de amortização em diferentes sistemas; resolver problemas envolvendo inflação e valores monetários (PPC campus 1).

Já, em outros campi, há indícios claros de um olhar crítico sobre o papel da disciplina na formação do cidadão, como podemos ver nos exemplos abaixo:

Ser capaz de tomar decisões em sua vida profissional, social e pessoal, agindo com equilíbrio e racionalidade diante das relações de consumo e com condições de identificar as melhores opções e consequentemente contribuindo na formação de cidadãos críticos em relação à vida econômica e financeira perante a sociedade, além de aplicar esses conhecimentos em projetos de educação básica que envolvem o tema (PPC campus 3).

Trata de questões e problemáticas relacionadas à Educação Financeira buscando melhorar o planejamento financeiro pessoal e familiar, proporcionando uma organização financeira para a formação do cidadão crítico e participativo na sociedade (PPC campus 8).

Fornecer subsídios fundamentais para a formação acadêmica do discente na área financeira, para que este possa atuar como agente de divulgação da cultura de Educação Financeira, objetivando ampliar o nível de compreensão dos cidadãos para efetuarem escolhas conscientes relativas à administração de seus recursos (PPC campus 10).

São questões importantes de serem trazidas para a sala de aula, em especial nas licenciaturas, uma vez que compreendemos ser preciso trazer para a sala de aula

[...] o enfrentamento de problemas sociais decorrentes da má administração das finanças pessoais, almejando uma transformação da dura realidade exposta pelos dados alarmantes [...], relativamente ao endividamento das famílias e ao consumismo desmedido (CAMPOS, TEIXEIRA e COUTINHO, 2015, p. 571).

Os autores vão além do âmbito pessoal, destacando o papel da Educação Financeira no desenvolvimento econômico da população:

[...] a Educação Financeira se configura como um instrumento capaz de promover o desenvolvimento econômico, pois a qualidade das decisões financeiras dos indivíduos influencia toda a economia, tendo em vista que está intimamente ligada a problemas como os níveis de endividamento e de inadimplência das pessoas e a capacidade de investimento dos países (CAMPOS, TEIXEIRA e COUTINHO, 2015, p. 557).

São compreensões sobre o papel da Educação Financeira que vão ao encontro das ideias da Educação Matemática Crítica que, segundo Skovsmose (2001), tem como característica importante o entendimento de que os processos de ensino e de aprendizagem devem ser pautados na resolução de problemas e a seleção dos problemas deve considerar o que é realmente relevante para o estudante e os objetivos sociais que, direta ou indiretamente, permeiam a sua discussão.

Essa preocupação também está presente na Série Cidadania Financeira, que destaca:

[...] é preciso mais educação financeira, de forma continuada e criativa, para afetar as habilidades dos cidadãos de fazerem escolhas conscientes e comprometidas com suas próprias metas e seus sonhos e que, assim, possam alcançar uma vida mais autônoma a partir do uso de seus recursos financeiros de forma mais racional e cuidadosa (BRASIL, 2015, p.10).

No entanto, a maioria das disciplinas analisadas tem no seu escopo conteúdos especificamente matemáticos, sem referências às discussões envolvendo consumo, planejamento financeiro, mercado financeiro, impostos, tomada de decisão financeira, entre tantas outras questões apontadas em documentos oficiais e consideradas relevantes nesse contexto, compreendido como maior pelos participantes. Vejamos, por exemplo, as ementas abaixo:

A disciplina abordará a Matemática Financeira no Ensino Básico, contemplando discussões sobre o valor do dinheiro no tempo, juros e descontos simples através dos conceitos de progressões aritméticas. Da mesma forma abordará os juros e descontos compostos do ponto de vista das progressões geométricas. Por fim fará uma discussão sobre rendas (capitalização e amortização compostas). (PPC campus 4)

O componente curricular apresenta as técnicas de equacionamento e cálculo de valores diferenciados pelo tempo, os chamados valor presente e valor futuro, abordando também os fundamentos matemáticos que são a base de cálculo, das fórmulas e das tabelas financeiras. É a matemática aplicada ao cotidiano de todos, exposta em transações financeiras e comerciais. (PPC campus 7)

Este Componente curricular explorará conhecimentos e conceitos sobre operações financeiras comuns, sobre o funcionamento do Sistema Financeiro Brasileiro e sobre a utilização de equipamentos e linguagens que permitem o processamento e cálculo envolvendo os conceitos apresentados (PPC campus 11)

Reconhecemos o papel e a importância das discussões matemáticas dessa natureza; apenas não vemos nessas ementas a indicação de discussões como as observadas nos documentos citados anteriormente. Apesar disso, ao contar suas experiências em sala de aula, a maioria dos docentes evidencia a prática de trazer essas discussões a mais para as suas aulas, bem como uma preocupação em como melhor fazê-lo, diante da falta que eles mesmos dizem sentir, de uma formação na área financeira.

Há também uma aparente indicação de que os espaços da Educação Financeira, nos cursos de formação de professor de Matemática, não devem se limitar às aulas de disciplinas relacionadas à Matemática Financeira. Os docentes entendem existir temas que poderiam ser explorados com mais propriedade por colegas de outras áreas. Por exemplo, a questão do consumismo poderia ser explorada por profissionais da área de Sociologia; discussões sobre o mercado financeiro e seus mecanismos de atuação poderiam ser explorados por profissionais da área de Gestão e Economia, entre outras.

As ementas elucidam tais interações interdisciplinares, como podemos observar nos trechos que seguem:

Este componente curricular aborda conceitos básicos de matemática financeira, abrangendo os conteúdos que estão presentes no currículo da educação básica e do ensino profissionalizante, fornecendo ferramentas para utilização prática, tais como noções de capital ambiental. Propõe, para PCC, a análise do mercado financeiro para a proposição de situações-problema interdisciplinares. (PPC campus 9)

Contextualização e aplicações da Matemática Financeira. (PPC campus 5)

Olhando agora para o item Conteúdo Programático, descrito nos planos de ensino das disciplinas, encontramos alguns indícios do que os docentes entendem como “algo a mais” a ser trabalhado. Observemos os exemplos abaixo:

Educação Financeira: proporcionalidade, juros, taxas e descontos; inflação e atualização monetária; equivalência de capitais; séries de pagamentos; depreciação e amortização; imposto de renda e planejamento financeiro. (PPC campus 10; grifos nossos)

O pensamento proporcional e sua relação com o conceito de porcentagem; progressão aritmética e geométrica (termo geral, soma e propriedades); juros simples: definição, taxa, montante, aplicações; operações de desconto simples; juros compostos: definição, taxa, montante, aplicações com uso de calculadoras científicas ou emulador HP12C; o conceito de capitalização contínua, sua conexão com a ideia de limite e o número e; séries de pagamentos, termos antecipados e postecipados: definições e aplicações; sistemas de amortização; elementos de educação financeira; investimentos nas questões étnico-raciais; estudo/análise de questões ou problemas ambientais modelados pelos conceitos acima. (PPC campus 3; grifos nossos)

Definições: capital, período, montante, juros, taxa percentual e taxa unitária. Juro e desconto: regime simples, regime composto. Taxa real de juros e medidas de inflação. Equivalência de capitais e sequência de capitais. Sistemas de amortização. Uso de calculadoras e de planilhas eletrônicas na matemática financeira. Noções de matemática comercial: lucro sobre o preço de custo e sobre o preço de venda. Noções de capital ambiental (PPC campus 9; grifos nossos)

O primeiro exemplo traz a discussão sobre o imposto de renda, além de enfatizar o planejamento financeiro; são questões que vão além dos cálculos e que entendemos que podem trazer discussões mais abrangentes e interessantes para as aulas. O segundo traz uma ideia vaga de elementos de educação financeira, mas parece trazer algo novo: falar de investimentos nas questões etnicorraciais, dando indícios de uma abordagem que poderá trazer a discussão de políticas públicas em sala de aula; ainda nesse e também no terceiro exemplos, vemos um destaque para problemas ambientais, também indicados pelos participantes nos encontros virtuais, por meio da discussão sobre a obsolescência programada de aparelhos eletrônicos e os seus impactos ao meio ambiente; na ocasião, docentes destacaram um exemplo de que, juntamente com a discussão matemática dos cálculos envolvidos no pagamento parcelado para a compra de um celular, seria pertinente a discussão sobre a necessidade de um aparelho novo e o desuso dos aparelhos usados diante de aplicativos que requerem novas configurações.

A análise está em fase inicial. Os recortes que apresentamos aqui mostram uma variação significativa entre o que se propõe para a disciplina nos diferentes campi. Essa constatação pelos docentes participantes foi importante, principalmente ao compartilhar suas experiências em sala de aula. Por outro lado, também observamos uma surpresa dos docentes ao verificar aproximações entre o que estão tratando em suas aulas, bem como manifestações de grande apreço em conhecer novas ideias trazidas pelos colegas e de engajamento para colocá-las em prática.

A reciprocidade de aprendizagem e o desejo de compartilhar saberes e experiências são características importantes nas propostas de trabalho colaborativo (FIORENTINI, 2013), o que pudemos observar em muitos momentos, durante os encontros virtuais.

3 Educação Matemática Crítica e Educação Financeira: aproximações

A definição do que seria tratado nos encontros virtuais do Grupo foi coletiva e alguns participantes julgaram pertinente a leitura de textos que tratassem sobre a temática da Educação Financeira. Alguns docentes têm formação acadêmica na área de Educação Matemática e sugeriram leituras[5] sobre a Educação Matemática Crítica, visualizando aproximações com o tema dos encontros.

Se pensarmos apenas na habilidade de tomar decisões financeiras, já conseguimos imaginar uma grande gama de elementos importantes que estão envolvidos nesse processo. Para ilustrar, podemos pensar na decisão de financiar a compra de um imóvel. Entre os muitos elementos presentes nessa discussão, trazemos alguns: pesquisar preços e condições para a compra, em especial os sistemas de amortização de dívidas; conhecer e comparar as taxas de juros, sejam as oferecidas pelas corretoras de imóveis ou as praticadas pelos bancos públicos e privados, pois o dinheiro pode ser obtido de diferentes fontes; organizar o orçamento familiar para que seja possível pagar o valor da prestação mensal; analisar o total de juros a ser pago no financiamento, comparando as diferentes opções de compra que foram pesquisadas; conhecer as diferentes linhas de crédito e decidir qual a melhor para o seu caso e, antes de tudo, decidir se a aquisição é necessária e se vale a pena assumir a dívida durante o período de tempo.

São elementos que requerem uma análise geral da decisão e que também passam por várias habilidades matemáticas (análises numéricas) e não matemáticas (análise econômica, motivacional, riscos ao projeto de vida etc.) até o momento da tomada de decisão. Em relação ao imóvel, trata-se de uma necessidade ter um lar para morar. Já em relação a aparelhos eletrônicos e automóveis, por exemplo, nem sempre é uma necessidade e muitas vezes o consumidor se envolve em dívidas por impulso, movido pelo consumismo. A decisão de consumir passa por fatores diversos, entre eles o fator cultural, como destaca Kistemann Jr. (2011, p. 132):

A influência da cultura sobre o ato de compra e de consumo é hoje extremamente reconhecida, e a maior parte das abordagens avançadas sobre o comportamento do consumidor integra, de uma forma ou de outra, o fator cultural. Entretanto, ainda que se admita que a cultura exerça um efeito, não se sabe ainda identificar com precisão a origem dessa influência.

Agindo por impulso, quer sob influência cultural, consumindo por necessidade ou pelo desejo alheio a ela, considerando os dados estatísticos relativos ao endividamento da população, podemos supor que grande parte dos brasileiros estão gastando mais do que têm condições de pagar.

Perguntamos, então, se é necessário “mais matemática” nos currículos escolares, para que esse problema possa ser enfrentado ou se a solução passa pela abordagem da mesma nos ambientes escolares. Os cálculos percentuais e a aplicação de fórmulas de juros simples e compostos, por exemplo, já estão presentes nas salas de aula. Mas há indícios de que as discussões financeiras precisam ir além, caminhando para o que temos compreendido como Educação Financeira.

Observemos o exemplo que se encontra em um dos livros citados na maioria das referências bibliográficas dos planos de ensino analisados: “Admita um empréstimo de $ 1.000,00 pelo prazo de 5 anos, pagando-se juros simples à razão de 10% ao ano. O quadro abaixo ilustra...” (ASSAF NETO, 2009, p. 3). Pelo menos duas perguntas se fazem importantes ao analisar essa questão: Onde seria possível conseguir um empréstimo a juros simples? E a 10% ao ano?

É muito comum encontrar exercícios como este nos livros de Matemática Financeira, que, indiretamente, trazem uma proposta de abordagem que nos remete a uma das características do que Skovsmose (2008) chama de paradigma do exercício, a qual preconiza que existe uma e somente uma resposta correta para cada exercício, sendo muitas vezes esta resposta correta o (único) objetivo no tratamento da questão[6].

Em contrapartida, o autor defende uma abordagem de investigação em sala de aula, capaz de promover o desenvolvimento da matemacia, compreendida como “um modo de ler o mundo por meio de números e gráficos, e de escrevê-lo ao estar aberto a mudanças” (SKOVSMOSE, 2014, p. 106).

Segundo Skovsmose (2001), a preocupação do processo educacional deve estar em fazer algo por meio da Matemática e esse algo está intrinsecamente relacionado à transformação da sociedade, possível a partir da reflexão crítica dos cidadãos. Isso envolve a Matemática, mas não aquela apresentada na maioria dos livros didáticos, pautada em técnicas e problemas com repostas certas e previsíveis.

Também não se trata simplesmente, para o autor, de atentar-se à utilidade da Matemática, mas sim ao fato de que é fundamental que os problemas estejam relacionados com situações e conflitos sociais, problemas que devem ser, necessariamente, reconhecidos pelos alunos como seus. Nesse sentido, compreendemos que o consumismo exagerado, o endividamento da população brasileira e a sua alienação diante dos mecanismos que regem as transações financeiras cotidianas é um problema social e que precisa de atenção.

A educação matemática ocupa-se também a preparação para o consumo, e podemos refletir sobre a responde-habilidade[7]social nesse caso. [...] Como cidadãos, estamos expostos a ações, iniciativas, anúncios, projetos e decisões que fazem parte da matemática em ação. (SKOVSMOSE, 2014, p. 110)

E, então, o autor nos convida a pensar sobre a matemacia do consumir, no sentido de que ela não tem que ser meramente funcional, preparando as pessoas para receber informações e proceder de forma esperada, ou seja, comprando e consumindo. Pelo contrário, Skovsmose (2014, p. 111) defende que

[...] ela pode contemplar também competências [...], como a capacidade de avaliar criticamente os “bens” e “males” que estão à disposição para o consumo. Isso nos remete ao entendimento de matemacia como responde-habilidade, que considero crucial com respeito às práticas de consumo.

Compreendemos que sob esse olhar a Matemática Financeira ganha novos horizontes e as ideias do autor ecoam em nossas discussões sobre o que significa promover a Educação Financeira. Conforme já relatamos, há indícios de existir “algo mais” envolvido nessa promoção, algo que vai muito além do ensino da Matemática Financeira.

Voltando ao nosso exemplo da compra de um imóvel e imaginando possibilidades de trabalho nesse horizonte mais amplo, visualizamos algumas ações que vão ao encontro dessas ideias: uma proposta em que os alunos pesquisassem os diferentes sistemas de amortização de dívidas, os impostos cobrados nessas operações financeiras e o destino deles no retorno à população; investigações matemáticas sobre qual poderia ser um (novo) sistema de amortização de dívidas, mais justo; busca histórica da fundamentação das taxas de juros praticadas no país e em outros países também, para a sua comparação; o desenvolvimento de uma consciência coletiva a respeito do endividamento e dos fatores de ordem política e econômica envolvidos nesse cenário; o engajamento para que as taxas praticadas no mercado financeiro sejam mais justas; as relações entre consumo e meio ambiente; a problemática do consumismo e do “ter para ser”[8]; as possibilidades de uma comunidade se organizar para criar o seu próprio fundo de crédito, sem depender de bancos para a captação de recursos financeiros, entre tantos outros exemplos e possibilidades.

4 Considerações

O levantamento de dados e as primeiras análises dos encontros virtuais mostram que não há muita clareza sobre os conceitos e os direcionamentos que as disciplinas voltadas ao estudo da Matemática Financeira devem ter, mas há um evidente esforço, em geral, para que esta disciplina ofereça algo a mais do que apenas a exploração de fórmulas e procedimentos matemáticos, com o objetivo de encontrar a (única) resposta certa. Já se faz possível perceber o valor do ambiente gerado para compartilhar os desafios e as experiências com as disciplinas referentes à temática de interesse, socializar as atividades práticas do dia-a-dia e colocar as angústias diante da vontade de contribuir mais para a formação financeira e econômica, quando são trazidas situações reais para as aulas

Uma vez que a análise cuidadosa dos encontros virtuais ainda está em construção, priorizamos compartilhar nesse artigo uma análise dos planos de ensino das disciplinas voltadas ao tema, embora também ecoem as nossas primeiras impressões acerca das reflexões desencadeadas no ambiente virtual proposto, junto aos formadores de professores. Até o momento, destacamos uma variação significativa entre as propostas curriculares para a disciplina de Matemática Financeira (ou correlatas), nos diferentes campi analisados e, ao mesmo tempo, uma aproximação entre os anseios e preocupações em relação ao oferecimento de algo mais voltado para a formação financeira dos futuros professores de Matemática.

Na instituição federal analisada, percebemos espaços para as discussões sobre Educação Financeira, timidamente na maioria dos planos de ensino, mas com uma presença mais marcante quando os docentes dividem suas experiências no Grupo, provocando engajamentos para aperfeiçoar as práticas de ensino. Alguns docentes engajaram-se em trocar atividades entre si e transformar as suas aulas, com base nas experiências exitosas relatadas pelos colegas do grupo. Outros também dividiram suas inseguranças em relação a falar de temas sobre os quais eles não tiveram nenhuma formação acadêmica, mas com indícios de se sentirem encorajados para tal, diante dos relatos dos colegas.

Terminamos compartilhando com o leitor algumas percepções iniciais que a convivência no grupo virtual trouxe, na tentativa de colocar alguns aspectos que nos parecem relevantes para o confronto com o que observamos nos planos de ensino.

Os argumentos mais presentes, analisados até o momento, apontam para que: a abordagem da disciplina esteja atenta ao diálogo com outras disciplinas, sendo a Educação Financeira uma área que extrapola as discussões matemáticas; a importância de pesquisar e discutir sobre o mercado financeiro e seus mecanismos de atuação; a necessidade de promover uma reflexão em sala de aula sobre planejamento financeiro, consumismo e tomada de decisão, diante da preocupação com a situação financeira dos alunos e cidadãos brasileiros em geral. Este último, em especial, aparece fortemente nas reflexões coletivas a partir dos textos que tratam da Educação Matemática Crítica, no sentido de uma compreensão de que é possível fazer algo por meio da Matemática, no tocante às transformações sociais necessárias no contexto das discussões sobre a vida financeira.

Os planos de ensino analisados indicam espaços para trazer questões que abarcam mais elementos do que os de natureza matemática, que são predominantes, apontando indícios de um esforço para incluir discussões sobre planejamento financeiro, em geral. No entanto, até mesmo pelo número reduzido de horas/aulas destinadas à disciplina, um número quase que insignificante quando olhamos para toda a grade curricular do curso, o espaço ainda nos parece insuficiente. Por outro lado, se as discussões sobre Educação Financeira se fizerem presentes no diálogo com outras disciplinas, esse espaço tende a potencializar-se, abrindo caminhos também para a discussão sobre o mercado financeiro e a formação financeira do aluno.

Os espaços que nos parecem mais urgentes são os das discussões que visam promover uma Educação Financeira que não seja apenas funcional, preparando as pessoas para receber informações e proceder de forma esperada, conforme nos alerta Skovsmose (2014). Trata-se de uma concepção de Educação Financeira que privilegia uma educação essencialmente crítica e emancipadora, que precisa ser discutida nos ambientes de formação do professor de Matemática para se fazer presente nas salas de aula.

Referências

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BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

BRASIL, Banco Central do Brasil. Educação Financeira funciona? Série Cidadania Financeira – Estudos sobre Educação, Proteção e Inclusão. Brasília: Banco Central do Brasil, 2015.

BRITTO, Reginaldo Ramos de; KISTEMANN JR., Marco Aurélio; SILVA, Amarildo Melchíades da. Sobre discursos e estratégias em Educação Financeira. Jornal Internacional de Estudos em Educação Matemática, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 177-208, 2014.

CAMPOS, André Bernardo; KISTEMANN JR, Marco Aurélio. Qual Educação Financeira queremos em nossa sala de aula? Educação Matemática em Revista, Brasília, n. 40, p. 48-56, nov. 2013.

CAMPOS, Celso Ribeiro, TEIXEIRA, James, COUTINHO, Cileda de Queiroz e Silva. Reflexões sobre a Educação Financeira e suas interfaces com a Educação Matemática e a Educação Crítica. Educação Matemática Pesquisa, São Paulo, v. 17, n.3, p. 556-577, 2015.

FIORENTINI, Dario. Pesquisar prática colaborativa ou pesquisar colaborativamente. In: BORBA, Marcelo de Carvalho; ARAÚJO, Jussara de Loiola. (Org.). Pesquisa qualitativa em Educação Matemática. 5. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013, p. 53-85.

FULLAN, Michael; HARGREAVES, Andy. A escola como organização aprendente: buscando uma educação de qualidade. Tradução de Regina Garcez. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.

GOUVÊA, Simone Aparecida Silva. Novos caminhos para o ensino e a aprendizagem de Matemática Financeira: construção e aplicação de webquest. 2006. 166f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas. Universidade Estadual Paulista. Rio Claro.

HARGREAVES, Andy. Os professores em tempos de mudança: o trabalho e a cultura dos professores na idade pós-moderna. Tradução de Jorge Ávila de Lima. Portugal: MacGraw-Hill, 1998.

HOFMANN, Ruth Margareth; MORO, Maria Lucia Faria. Educação Matemática e Educação Financeira: perspectivas para a ENEF. Zetetiké, Campinas, v. 20, n. 2, jul./dez. 2012.

KISTEMANN JR., Marco Aurélio. Sobre a produção de significados e a tomada de decisão de indivíduos-consumidores. 2011. 301f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas. Universidade Estadual Paulista. Rio Claro.

PELICIOLI, Alex Ferranti. A relevância da Educação Financeira na formação de jovens. 2011. 131f. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemática) – Escola de Ciências. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre.

QUEIROZ, Maria Rachel Pinheiro Pessoa Pinto de; BRABOSA, Jonei Cerqueira. Características da Matemática Financeira expressa em livros didáticos: conexões entre a sala de aula e outras práticas que compõem a Matemática Financeira disciplinar. Bolema, Rio Claro, v. 30, n. 56, p. 1280-1299, dez. 2016.

SKOVSMOSE, Ole. Desafios da reflexão em Educação Matemática Crítica. Tradução de Orlando de Andrade Figueiredo e Jonei Cerqueira Barbosa. Campinas: Papirus, 2008.

SKOVSMOSE, Ole. Educação Matemática Crítica: a questão da democracia. Campinas: Papirus, 2001.

SKOVSMOSE, Ole. Um convite à Educação Matemática Crítica. Tradução de Orlando de Andrade Figueiredo. Campinas: Papirus, 2014.

Notas

[1] Atualmente o curso Licenciatura em Matemática é oferecido nos campi: Araraquara, Bragança Paulista, Birigui, Campos do Jordão, Caraguatatuba, Cubatão, Guarulhos, Hortolândia, Itapetininga, São José dos Campos e São Paulo. Usamos números escolhidos de forma aleatória (campus 1, 2, 3..., 11) para nos referir aos diferentes campi, observando os princípios éticos para preservar a identidade de cada um durante as discussões. Usamos pseudônimos para os nomes dos participantes, em função dos mesmos princípios.
[2] Tendo encontrado docentes dispostos a colaborar com a pesquisa, demos início aos trâmites para a sua aprovação junto à Plataforma Brasil, tendo sido aprovada por um Comitê de Ética em Pesquisa, sob o parecer nº 2.918.737.
[3] O grupo GIEMAG – Grupo Interdisciplinar em Educação, Matemática e Gestão, foi cadastrado em 2017 junto ao Diretório de Grupos de Pesquisa, na Plataforma Lattes – CNPq, por iniciativa de professores de diferentes áreas, que atuam junto ao IFSP Capivari. A maioria dos colaboradores desta pesquisa aceitou o convite para se vincular ao GIEMAG, embora alguns optaram por participar sem um vínculo formal. Para a coleta de dados foram realizadas reuniões virtuais apenas com os colaboradores da pesquisa, formando um subgrupo da linha Educação Financeira. Aqueles que se filiaram ao GIEMAG seguem como pesquisadores, junto aos demais membros do Grupo.
[4] Os PPC dos cursos Licenciatura em Matemática são documentos públicos que podem ser consultados no endereço eletrônico da instituição, nas seções voltadas a cursos de Licenciatura. Os documentos estão disponíveis em: https://www.ifsp.edu.br/cursos?layout=%20edit&id=126.
[5] Foram discutidos os artigos de Campos, Teixeira e Coutinho (2015) e Queiroz e Barbosa (2016), também referenciados aqui.
[6] Recomendamos a leitura de Queiroz e Barbosa (2016), que apresentam uma análise da abordagem da Matemática Financeira em livros didáticos.
[7] Esse termo é usado e compartilhado aqui segundo a compreensão do desenvolvimento de uma competência para pensar o mundo, resolver problemas e tomar decisões, de forma crítica e com responsabilidade social.
[8] Recomendamos a leitura do Bauman (2008).

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