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Um panorama de teses e dissertações sobre Educação Matemática no contexto de Escolas do Campo
A panorama of theses and dissertations on Mathematics Education in the context of Rural Schools
Un panorama de tesis y disertaciones sobre Educación Matemática en el contexto de Escuelas del Campo
Revemop, vol.. 1, núm. 3, 2019
Universidade Federal de Ouro Preto

Artigos

Revemop
Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil
ISSN-e: 2596-0245
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 1, núm. 3, 2019

Recepção: 07 Fevereiro 2019

Aprovação: 01 Março 2019

Publicado: 01 Setembro 2019

Copyright Revemop 2019.

Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Compartilhamento Pela Mesma Licença.

Resumo: O objetivo deste artigo é identificar e analisar as produções acadêmicas sobre Educação Matemática no contexto da Educação do Campo. Assim, optou-se por uma pesquisa bibliográfica do tipo estado do conhecimento. Para constituir o corpus de análise, realizaram-se buscas no Banco de Teses e Dissertações da CAPES, adotando como critério as palavras-chave “escola rural” e “escola do campo”. Depois de um refinamento, selecionou-se 20 pesquisas. Para a análise, foram criadas quatro categorias: Levantamento Histórico, Práticas Educativas, Práticas Formativas e Estudo Documental. Foi possível identificar a escassez de pesquisas relacionadas aos contextos rurais na área específica da Educação Matemática, especialmente aquelas que discutam a formação de professores voltada para este contexto ou que apresentem práticas educativas a serem adotadas, sendo assim, este artigo reforça a necessidade de mais pesquisas nesta área.

Palavras-chave: Educação Matemática, Escola do Campo, Formação de Professores, Educación Matemática, Escuela de Campo, Formación de Profesores.

Abstract: The objective of this article is to identify and analyze academic productions in mathematics education in the context of the field of education. Thus, we chose to do bibliographic research related to the state of knowledge. In order to constitute the corpus of analysis, a search was made in the CAPES bank of theses and dissertations, adopting as a criterion the keywords “escola rural” and “escola do campo”. After refinement, we selected 20 works. For the analysis, four categories were created: historical survey, educational practices, formative practices and documentary study. It was possible to identify the lack of research related to rural contexts in the specific area of mathematics education, especially those that discuss the formation of teachers focused on this context or that present educational practices to be adopted, thus, this article reinforces the need for further research in this area.

Keywords: Mathematics Education, School of the Field, Teacher Training.

Resumen: El objetivo de este artículo es identificar y analizar las producciones académicas sobre Educación Matemática en el contexto de la Educación del Campo. Así, se optó por una investigación bibliográfica del tipo estado del conocimiento. Para constituir el corpus de análisis se realizaron búsquedas en el Banco de Tesis y Disertaciones de la CAPES, adoptando como criterio las palabras clave "escuela rural" y "escuela del campo". Después de un refinamiento, se seleccionaron 20 encuestas. Para el análisis, se crearon cuatro categorías: Levantamiento Histórico, Prácticas Educativas, Prácticas Formativas y Estudio Documental. Es posible identificar la escasez de investigaciones relacionadas a los contextos rurales en el área específica de la Educación Matemática, especialmente aquellas que discutan la formación de profesores orientada hacia este contexto o que presenten prácticas educativas a ser adoptadas, siendo así, este artículo refuerza la necesidad de más investigaciones en esta área.

1 Introdução

O presente artigo discute uma das etapas de uma pesquisa de mestrado, em andamento, realizada pela primeira autora e orientada pela segunda, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências, da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI). A pesquisa procura evidenciar a necessidade de se relacionar as práticas vivenciadas no campo e as práticas escolares, conforme é proposto pela legislação brasileira sobre a educação no campo. Além disso, busca compreender se esta articulação tem sido discutida na formação docente ou, pelo menos, no contexto escolar da região estudada. Todas as etapas serão desenvolvidas com o intuito de responder à questão: Quais as potencialidades e limites de práticas contextualizadas para o ensino de Matemática em escolas do Campo? Assim, a etapa foco deste artigo apresenta os resultados de um levantamento bibliográfico[1]de pesquisas que relacionam a Educação Matemática e a Educação do Campo, buscando indícios de práticas educativas e formativas para atuação do professor nesse contexto. Procurou-se evidenciar, nas pesquisas analisadas, as práticas adotadas por professores que lecionam em classes do Campo, além de indícios de práticas formativas que foram descritas nas pesquisas, sendo estas, ou não, foco de estudo.

É preciso destacar que segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 60% dos municípios são considerados espaços rurais, abrangendo 16% da população total. Portanto, é de extrema importância, para a região Sul de Minas Gerais, onde a cultura do Campo está muito presente, conhecer e disseminar possíveis práticas, educativas e formativas, a serem realizadas nesses contextos, além de conhecer as possibilidades e limitações para a realização de um ensino contextualizado e direcionado para esta cultura.

Dessa forma, este artigo procurou primeiro caracterizar o contexto do qual se fala trazendo autores e documentos oficiais que discutem sobre a Educação do Campo e todas as suas necessidades e lutas, além do mais, neste tópico também é apresentado as definições de termos essenciais para a área, além de uma discussão sobre a Educação Matemática neste contexto, fundamentação necessária para a análise dos trabalhos.

Em seguida, é apresentado os procedimentos metodológicos utilizados para a constituição do corpus de análise e, em seguida, a categorização realizada para a análise e reflexão acerca das teses e dissertações encontradas. Por fim, é apresentado as conclusões sobre os resultados, conferindo se os objetivos desta pesquisa foram alcançados.

2 O contexto da Educação do Campo e a formação de professores

A formação de professores parece ainda não estar voltada para a prática profissional, apesar de recentes orientações presentes em suas diretrizes curriculares. Esta realidade se torna ainda mais distante quando se pensa em práticas voltadas para contextos específicos, com foco na realidade dos diferentes cotidianos escolares possíveis, entre eles, o contexto das escolas do campo. Tal direcionamento poderia provocar uma grande diferença nos processos de ensino e de aprendizagem dos alunos que vivem nesse contexto, tendo em vista que eles correspondem a uma parcela significativa da população brasileira, especialmente em Minas Gerais.

Embora o Brasil tenha iniciado sua colonização fortemente com populações rurais e até hoje, apesar do êxodo rural, ainda mantenha boa parte de sua população no campo, a Educação do Campo passou a ser discutida somente a partir de 1950, junto com as lutas por terras. Este tema é ainda mais problemático quando se relaciona à estudos, pesquisas e discussões sobre políticas públicas para a área. Apesar de todos os movimentos sociais, econômicos e políticos que o Brasil vivenciou, no século XX o morador do campo foi colocado à mercê das necessidades das cidades, pois “a sociedade moderna subordinou o campo à cidade. Da mesma forma, o modo de vida urbano submeteu o modo de vida rural. O camponês brasileiro foi estereotipado como o fraco e atrasado” (ARROYO e FERNANDES, 1999, p. 29). Atualmente esta realidade tem mudado, mas o processo é bastante lento. Segundo Soares (2001, p. 1),

a educação do campo, tratada como educação rural na legislação brasileira, tem um significado que incorpora os espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura, mas os ultrapassa ao acolher em si os espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas. O campo, nesse sentido, mais do que um perímetro não urbano, é um campo de possibilidades que dinamizam a ligação dos seres humanos com a própria produção das condições da existência social e com as realizações da sociedade humana (SOARES, 2001).

Legislações mais atuais já alteraram, inclusive essa nomenclatura, que passou de Educação Rural para Educação do Campo, como será abordado em outros documentos ao longo do texto. Sendo assim, é preciso reconhecer que as práticas do campo interferem em como o aluno enxerga o mundo e como acontecem as suas relações de aprendizagem. A população do campo está presente no Brasil desde o início de sua colonização, com a divisão de capitanias hereditárias e grandes latifúndios.

Dessa forma, por muitas décadas a vida no campo foi moldando os brasileiros, entretanto, a formação dessa população sempre foi pautada muito mais no senso comum do que por uma educação voltada para a cultura dos próprios camponeses.

A ausência de uma consciência a respeito do valor da educação no processo de constituição da cidadania, ao lado das técnicas arcaicas do cultivo que não exigiam dos trabalhadores rurais, nenhuma preparação, nem mesmo a alfabetização, contribuíram para a ausência de uma proposta de educação escolar voltada aos interesses dos camponeses. (SOARES, 2001, p. 4).

Mesmo quando houve uma preocupação com a Educação do Campo, seus objetivos foram distorcidos em favor dos patronados que temiam a perda de mão de obra para os meios industriais. Segundo Soares (2001), somente meio século após o país ter se tornado uma República “uma Constituição brasileira, a de 1934, vai tratar da educação rural. Entretanto, a perspectiva que se colocava em destaque naquele momento era a necessidade de “conter o movimento migratório e elevar a produtividade no campo”” (p. 9).

Não havia uma preocupação com a educação de quem morava no campo e, mesmo após a Constituição de 1934, o objetivo não era propiciar uma educação libertadora, mas sim manter a situação de manipulação e confinamento destas pessoas ao campo. Durante todas as reformas educacionais no Brasil, a Educação do Campo sempre esteve a serviço dos interesses da capital, sendo pouco voltada para o interesse da população do campo. Segundo Paludo (2008), essa questão promoveu diversos movimentos para uma educação popular, com influência de Paulo Freire, além de Centros Populares de Cultura, o Movimento Estudantil e o Movimento de Educação de Base, vinculado a uma ala progressista da Igreja Católica.

Estes estavam intimamente ligados com as lutas dos trabalhadores rurais, organizados pelas Ligas Camponesas, sindicatos de trabalhadores rurais e outras entidades que já provocavam mobilizações entre os moradores das periferias das cidades e do campo, suscitando o aparecimento de experiências principalmente de alfabetização de jovens e adultos. (BRASIL, 2014, p. 7).

Esses movimentos buscavam a valorização do homem do campo, que por muito tempo fora estereotipado como o ignorante e atrasado, tendo que se submeter às regras e condições das áreas urbanas, mesmo não fazendo sentido com a vida na qual pertencia. Dessa forma, passaram a ser estudadas e questionadas as necessidades e diferenças que o ambiente do campo causava em seus moradores, assim como na sua educação. A relação de dependência é mútua, e investir em uma educação diferenciada para cada região seria uma forma de desenvolvimento e valorização de cada pessoa. Segundo Arroyo e Fernandes (1999), ter “um projeto de educação voltado para a realidade camponesa é fundamental para a modernização da agricultura brasileira” (p. 30).

Uma escola do campo é a que defende os interesses, a política, a cultura e a economia da agricultura camponesa, que construa conhecimentos e tecnologias na direção do desenvolvimento social e econômico dessa população. A sua localização é secundária, o que importa são suas proximidades política e espacial com a realidade camponesa. (ARROYO e FERNANDES, 1999, p. 33).

A Educação do Campo não significa ter outro tipo de escola, mas práticas que envolvam o povo do campo, dando-lhes participação ativa na sociedade. Desta forma,

o currículo de Matemática das escolas do campo deve ter algo de específico: os meios (para se chegar ao mesmo fim). Isto é, “parte-se da realidade” para se chegar ao objeto matemático. O cotidiano, a vida real e o campo são elementos de “motivação”, de “aplicação” e de “contextualização” que devem ser “traduzidos” para a matemática escolar, presente nos currículos. (BRASIL, 2014, p. 13).

Espera-se, com esta educação, que o aluno tenha os mesmos resultados e acesso aos mesmos conhecimentos, independente da escola ou modelo de ensino, sempre com o intuito de qualificar e valorizar os conhecimentos prévios, como forma de estímulo e ponto de partida. Entretanto, todo este trabalho de conexões entre o cotidiano e a Matemática deve ser mediada pelo professor. Nesse sentido, duas questões podem nos ajudar na reflexão: Como os professores estão sendo formados para lecionarem nesse contexto? Há algo durante a formação que propicia a reflexão e a análise de concepções sobre o ensino em escolas rurais?

Para Baraúna (2009, p. 305),

precisamos não apenas de profissionais que deem aulas tecnicamente perfeitas, mas que nessas aulas se perceba a valorização dos sujeitos do campo e das suas produções culturais, auxiliando-os no processo de construção de projetos para o desenvolvimento desse espaço e contribuindo para a permanência dessa população em suas comunidades, através das condições necessárias para uma vida digna.

Essa necessidade está contemplada na Resolução nº 2, de abril de 2008, que estabelece diretrizes complementares normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo. No artigo 7, é estabelecido a obrigação de oferecer todo o apoio pedagógico e estrutural para os alunos deste contexto; deixando claro, no parágrafo primeiro, que “a organização e o funcionamento das escolas do campo respeitarão as diferenças entre as populações atendidas quanto à sua atividade econômica, seu estilo de vida, sua cultura e suas tradições.” (BRASIL, 2008).

Assim sendo, um trabalho contextualizado e respeitando a realidade do aluno é previsto em diretrizes, constituindo-se em um norte para os professores, entretanto, uma questão chama a atenção: A formação inicial ou continuada permite esta percepção e reflexão do papel do professor em salas de aula inseridas neste contexto? Esta mesma resolução prevê a necessidade de uma formação direcionada, conforme seu artigo 7, no parágrafo segundo:

A admissão e a formação inicial e continuada dos professores e do pessoal de magistério de apoio ao trabalho docente deverão considerar sempre a formação pedagógica apropriada à Educação do Campo e às oportunidades de atualização e aperfeiçoamento com os profissionais comprometidos com suas especificidades. (BRASIL, 2008).

Dando enfoque na Matemática, é preciso reconhecer a necessidade de um trabalho mais voltado para o contexto em que vivem esses alunos, como uma forma de aprimoramento de suas capacidades, pois a “Educação Matemática praticada em nossa sala de aula não pode se desvincular dos modos próprios de pensar matematicamente o mundo experienciado pelo homem/mulher do campo em suas práticas sociais” (BRASIL, 2014, p. 21).

Diante dessa problemática, se faz necessário buscar a articulação de uma prática voltada para o sujeito e sua comunidade, de forma em que sua realidade esteja presente e ele possa vivenciar de perto tudo o que esteja aprendendo. Para isto, cabe indagar se a formação de professores tem propiciado espaços voltados para a discussão sobre estas práticas, especialmente se, e como, elas são realizadas.

O levantamento bibliográfico foi um meio encontrado para identificar os trabalhos que discutem práticas voltadas para a Educação Matemática no Campo; como foram estabelecidas pelos professores e pesquisadores; e se há alguma relação com a formação inicial ou continuada de professores, ou pelo menos indícios de como estas devem ser conduzidas. Esses são os propósitos deste trabalho, cujos procedimentos metodológicos serão descritos a seguir.

3 Procedimentos metodológicos

Embora a pesquisa de mestrado em questão tenha como um de seus focos uma pesquisa de campo, que pode vir a ser caracterizada como uma pesquisa-ação, ao se propor a realizar qualquer pesquisa, é imprescindível realizar um levantamento bibliográfico, com vistas a conhecer o que outros pesquisadores já produziram na área e quais foram os seus principais questionamentos e resultados obtidos.

Este tipo de levantamento pode constituir-se numa pesquisa do tipo Estado do Conhecimento ou Estado da Arte (FERREIRA, 2002) e é utilizada quando se busca conhecer a totalidade de trabalhos produzidos numa determinada área. Nesse tipo de pesquisa, o pesquisador “é movido pelo desafio de conhecer o já construído e produzido, para depois buscar o que ainda não foi feito” (FERREIRA, 2002, p. 259), e para isso se faz necessário analisar dados e informações de um conjunto de produções — definidas a partir do objetivo da pesquisa — utilizando critérios pré-determinados, que permitam trazer possíveis contribuições para o direcionamento e a continuidade de pesquisas no campo investigado. Este foi o critério adotado para caracterizar esta etapa.

É preciso destacar que o tema aqui abordado possui divergências em alguns conceitos e nomenclaturas, devido ao seu histórico de construção. Um desses impasses seria a denominação correta dos espaços escolares presentes nas áreas rurais. Por muito tempo, esse espaço foi conhecido como escolas rurais, mas atualmente o termo indicado na legislação é Escola do Campo, que consiste em “aquela situada em área rural, conforme definida pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou aquela situada em área urbana, desde que atenda predominantemente a populações do campo” (BRASIL, 2010). Ao mesmo tempo, define-se que a população do campo é composta pelos

agricultores familiares, os extrativistas, os pescadores artesanais, os ribeirinhos, os assentados e acampados da reforma agrária, os trabalhadores assalariados rurais, os quilombolas, os caiçaras, os povos da floresta, os caboclos e outros que produzam suas condições materiais de existência a partir do trabalho no meio rural. (BRASIL, 2010)

Assim, para as buscas no Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), utilizou-se como critério inicial a palavra-chave “escola rural” e, na seguinte, o termo “escola do campo”. Na primeira busca, realizada durante o mês de março de 2018, foram encontrados 298 trabalhos, sem delimitação de período, instituição ou área do conhecimento, com o intuito de abranger todas as pesquisas sobre o tema. Das pesquisas encontradas, 232 eram dissertações de mestrado acadêmico, 42 teses de doutorado, 18 dissertações de mestrado profissional e 42 teses de doutorado. Além disso, foram encontrados 6 trabalhos de cursos profissionalizantes, os quais não foram considerados.

Com a palavra-chave “escola do campo”, foram identificados trabalhos em todas as áreas do conhecimento, sendo necessário realizar um refinamento para identificar apenas aquelas relativas à Educação Matemática. A partir da leitura dos títulos, e sempre que necessário dos resumos disponíveis no portal, buscou-se palavras relacionadas com a Matemática ou seu ensino. Ao final desse processo, foram encontradas 10 pesquisas, sendo 7 dissertações de mestrado e 3 teses de doutorado. Na segunda busca, realizada em novembro de 2018, foram encontrados 289 trabalhos, e foi realizado o mesmo procedimento do primeiro, com isso, coincidentemente, também foram encontrados 10 trabalhos, sendo 8 dissertações de mestrado e 2 teses de doutorado, sem restrição de período, instituição ou área do conhecimento.

Selecionados os trabalhos, foi criada uma planilha para identificar os principais aspectos das pesquisas, como os objetivos, os resultados, as questões-problema e as abordagens adotadas em cada uma. Esse processo foi realizado, em grande parte, a partir da leitura dos resumos, entretanto em algumas pesquisas foi necessário realizar uma leitura flutuante para obter os dados não encontrados no resumo.

4 Apresentação e discussão dos resultados

Embora, as palavras-chave escolhidas remetam ao mesmo assunto, elas podem implicar em concepções diferentes. Dessa forma, a análise foi realizada separadamente; no final, buscou-se apresentar considerações de modo a articulá-las. Entretanto, antes de passarmos à análise de cada agrupamento de trabalhos, apresentamos alguns dados gerais do mapeamento das pesquisas, sem separá-las por palavras-chave, para termos uma noção de sua distribuição cronológica e geográfica, em termos institucionais, conforme as Tabelas 1 e 2.

Tabela 1
Relação entre a quantidade de pesquisas e o ano

Elaboração das Autoras

Tabela 2
Relação da quantidade de pesquisas e suas respectivas instituições

Elaboração das Autoras

A partir da observação das duas tabelas, é possível perceber que as pesquisas com foco na escola, dita do campo ou rural, são muito recentes e ganham um certo volume em 2017. Além disso, estão presentes em quatro regiões do país, sem ocorrência no Centro-Oeste e com predominância nas regiões Sul e Sudeste. A Universidade Estadual Paulista (Unesp), apresenta o maior número de trabalhos.

Embora essas tabelas apresentadas não permitam levantar estes dados, outro ponto importante, que será destacado mais adiante, é a emergência de pesquisas sobre concepções e crenças, principalmente nos últimos anos, período no qual também se perceberá maior relação com o termo mais atual “educação do campo”.

4.1 Escolas Rurais

Ao realizar esse primeiro levantamento, identificou-se um número reduzido de trabalhos relacionados à Educação Matemática em contextos rurais, sendo esses trabalhos localizados entre os anos de 2006 a 2015. Diante disso, foi possível estabelecer três categorias, de acordo com o foco de análise de cada pesquisa, conforme apresentado no Quadro 1.

Quadro 1
Teses e Dissertações de acordo com seus focos de análise

Elaboração das Autoras

Categoria 1 – Levantamentos Históricos

Nesta categoria, inicialmente é possível destacar que as três teses de doutorado, Moreira (2013), Coelho (2015) e Wanderer (2007), tiveram como principal enfoque a contextualização de locais e períodos históricos específicos do país, não discutindo práticas educativas realizadas com alunos de escolas rurais e nem descrevendo ou apontando práticas formativas de professores que ensinam Matemática nesse contexto.

Nessas teses, houve uma preocupação em descrever escolas específicas que, de alguma forma, influenciaram determinadas regiões do país. Os dados das pesquisas eram documentos históricos, além de entrevistas com ex-professores e ex-alunos. Em todas elas, o ensino de Matemática era desenvolvido no modelo tradicional, com resolução de exercícios que não estabeleciam relações com o cotidiano rural do aluno. Apenas Moreira (2013) relata a tentativa de uma professora em estabelecer essas conexões, mesmo seguindo um currículo rígido, e ainda de forma bem simples, sem um apoio nem formação para isto.

As pesquisas também apontam para a falta de uma formação dos professores voltada para sua atuação em contextos específicos, como o da escola do campo, e para os desafios que os mesmos enfrentavam para lecionar nessas escolas, mostrando situações de isolamento e de falta de apoio dos governos em vigor. É importante destacar, ainda, que todas as teses tinham como foco principal um levantamento e descrição histórica, dissociada de possíveis interferências no ensino praticado, como acontece na pesquisa de Fernandes (2014), cujo objetivo era estudar as práticas de ensino de Matemática em uma escola do campo na segunda metade do século XX. Nessa pesquisa é possível identificar a preocupação das professoras em contextualizar o que estavam ensinando, mas o cotidiano rural não era o foco dessa contextualização. As práticas ainda eram tradicionais, sem uma modificação na metodologia e todos os professores que lecionavam na escola investigada eram formados em Curso Normal.

Nessa categoria, observa-se que há uma preocupação em caracterizar a escola do campo em algumas partes e épocas do país, entretanto mesmo sendo pesquisas históricas a realidade não modificou tanto. Os professores continuam sem uma formação adequada para trabalhar neste contexto e há muito o que se fazer quando se trata do desenvolvimento desses alunos. Como argumentou Fernandes (1999), a escola deve defender os interesses da comunidade rural, buscando sempre o desenvolvimento social e econômico dessa população, mas como identificado nos trabalhos citados, o ensino proporcionado a esses alunos não tinha como principal objetivo a emancipação e a formação de sujeitos únicos e reconhecedores do próprio contexto. Assim, percebe-se que as faltas com a Educação do Campo são perpetuadas a muito tempo, tanto no ensino quanto na formação de professores.

Categoria 2 – Práticas Educativas

Entre as quatro pesquisas agrupadas nesta categoria, Assunção (2012) apresenta relações entre as práticas sociais e o saber matemático de um grupo cultural específico, o Centro Familiar de Formação por Alternância (CEFFA), e defende a necessidade de se apoiar em todos os conhecimentos que os alunos já possuem para estabelecer as práticas que serão desenvolvidas. Isso vem ao encontro do que o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – Educação Matemática do Campo, defende, ao considerar que

trabalhar com o contexto, com a cultura de nossos alunos significa nos apropriarmos, como educadores, de tais práticas. E isso depende, em grande parte, da escuta de nossos alunos. Precisamos aprender com eles e com suas famílias sobre as práticas laborais das comunidades. (BRASIL, 2014, p. 24)

A pesquisa destaca o fato de o professor realizar seu próprio planejamento, sendo dividido em aulas teóricas e práticas, no formato de projetos, em que cada tópico do conteúdo de Matemática se adequa a uma temática relacionada a pesca e ecoturismo. Dessa forma, os professores dessa escola estariam engajados na busca de uma educação que respeita a singularidade, os costumes e a cultura deste grupo em específico, assim como argumenta Baraúna (2009).

Alves (2007) aborda a questão da relação de conceitos matemáticos a partir de leituras de imagens, entretanto o contexto rural não é foco de investigação, não interferindo na pesquisa. O principal foco é desenvolver conceitos geométricos por meio de obras de artes conhecidas e, ao mesmo tempo, com a intenção de entrelaçar essas imagens com o cotidiano, entretanto a segunda parte não é relatada e nem é possível afirmar se aconteceu. O ambiente do campo não teve influência no planejamento das ações, entretanto é impossível não se indagar se ele teria ou não influenciado nas respostas dos alunos e ao pensar nas relações estabelecidas, o que poderia ter sido encontrado nas respostas dos alunos.

As outras duas dissertações dessa categoria, Alves (2011) e Lima (2011), possuem o foco na aprendizagem dos alunos da Escola do Campo, diferenças na abordagem. A pesquisa de Alves (2011) buscou identificar o modo como os alunos interpretavam gráficos com a ajuda de softwares, mas embora esta seja uma prática diferenciada, com a preocupação de levar a tecnologia para a sala de aula, as atividades propostas não estabeleciam qualquer relação com o contexto rural. Em suas considerações, a pesquisadora afirma que os alunos das escolas rurais possuem as mesmas capacidades e facilidades que os alunos da cidade para interpretar gráficos com a ajuda computacional, utilizando diversas estratégias.

Assim, esse resultado dispensa a ideia de uma educação “assistencialista para uma população extremamente inculta, atrasada e desajustada em relação à população urbana.” (ALVES, 2011, p. 3), entretanto, a falta de contextualização e de utilização da própria realidade do aluno também permite questionar o quanto a transposição didática de uma escola urbana para uma escola do campo é de fato suficiente para o empoderamento desses alunos enquanto moradores do campo.

A pesquisa de Lima (2011) é a única que busca estabelecer uma relação concreta entre a realidade do aluno e suas atividades matemáticas em sala. Para isso, atuando como pesquisadora e ao mesmo tempo professora das turmas pesquisadas, ela procurou conhecer melhor seus alunos e suas famílias, por meio de questionamento e produções textuais, nos quais os alunos relataram suas rotinas, sonhos e aspirações. Com esses dados, ela identificou a predominância na área da agricultura desses alunos, principalmente com a plantação de frutas. Percebendo que estes dados não eram suficientes para estabelecer uma relação com a Matemática, ela propõe a elaboração de cartazes e livros com o objetivo de responder questões pertinentes ao processo de plantio e colheita dos produtos da agricultura, e assim, conseguiu identificar a Matemática nesse contexto. A partir disso, Lima (2011) trabalhou o conteúdo de medidas, utilizando aquelas que surgiram nas produções dos alunos, as quais deram suporte para que eles respondessem uma folha de atividades, com 18 perguntas sobre esse conteúdo, utilizando também o livro didático.

Em sua pesquisa, a autora explicita as possibilidades que o cotidiano em que o aluno está inserido oferece para os processos de ensino e de aprendizagem. Também é importante ressaltar que a pesquisadora/professora fazia parte de um grupo colaborativo que a apoiava na elaboração das propostas que seriam desenvolvidas. Essa pesquisa destaca as potencialidades das práticas que associam o cotidiano dos alunos com o ensino. Afinal,

se a educação do campo deixar de ficar silenciada no currículo e os educadores se empenharem no desenvolvimento e exploração da cultura rural, o aprendizado das crianças e a convivência social terão muito mais êxito e as crianças terão mais prazer nas salas de aula, pois, estarão falando sua própria língua e aperfeiçoando seus conhecimentos, mantendo viva a sua história, seu modo de vida, sem abrir mão da qualidade do ensino. (BARAÚNA, 2009, p. 306)

Embora a pesquisa realizada por Lima (2011) tenha como objetivo principal evidenciar o engajamento dos alunos nas aulas de Matemática tendo como suporte o cotidiano rural, ela também evidencia as mudanças que ocorreram na prática como professora, afinal ela “tornou-se mais sensível aos alunos, abriu mais espaço em sala de aula para que os alunos manifestassem suas opiniões, passou a ouvi-los constantemente e hoje reconhece que tem muito a aprender com eles” (LIMA, 2011, p. 85).

A última pesquisa, Fontana (2006), refere-se a um estudo acerca da escola do meio rural, do currículo e de uma abordagem culturalista da Matemática, tendo como principal objetivo conhecer o entendimento que as professoras têm sobre a adaptação do currículo de Matemática nesse contexto. Durante as entrevistas realizadas, a pesquisadora questionou sobre as práticas adotadas em sala de aula. Uma das professoras relatou o desenvolvimento de projetos específicos para cada turma, como forma de relacionar o cotidiano dos alunos com o interesse pela Matemática. Nesse projeto, a professora realizou visitas em estabelecimentos locais, além de espaços de trabalho dos pais dos alunos, procurando identificar a Matemática presente nesses ambientes.

Esta prática educativa articula-se com Baraúna (2009), quando indica a necessidade do comprometimento dos professores para as questões relativas ao meio rural, o que vai além de métodos e técnicas de ensino. Essa pesquisa mostra que a atitude do professor frente a realidade do aluno, independente de qual seja, promove uma diferença no engajamento dele nas aulas.

Categoria 3 – Práticas Formativas

Nesta categoria destaca-se o trabalho realizado por Pacheco (2008), que aborda os processos de ensino e de aprendizagem de Matemática e a relação entre professor e aluno, destacando a necessidade de considerar o cotidiano escolar como um espaço de aprendizado para professores. Dentre as professoras participantes de sua pesquisa, nenhuma apresentou formas diferenciadas de ensinar Matemática, segundo a pesquisadora, por diversos motivos. Uma possuía oscilações de tratamento para com os alunos, o que os confundiam, outra afirmou não lecionar Matemática porque não gostava e outra, queria realizar um trabalho diferenciado, mas não tinha o apoio da escola. Vale destacar que todas as professoras lecionavam para os primeiros anos do Ensino Fundamental. Esses motivos foram levantados por meio de entrevistas e observações de aula.

Para enfrentar esta situação, foi proposto um trabalho colaborativo entre elas e a pesquisadora, o que mostrou resultados bem significativos em relação às práticas adotadas, além da mudança de concepções sobre o papel delas dentro da escola. Foram desenvolvidas atividades de caráter lúdico com os alunos para o ensino de classe e ordem dos números, o que foi possível envolver as professoras, exceto uma. Embora seja narrada uma prática educativa no contexto da pesquisa, essa não é o foco central do estudo. Assim, o que se destaca nesta pesquisa é a opção pela constituição de um grupo colaborativo como prática formativa.

Lima (2011) também destaca a influência do trabalho colaborativo em sua constituição como professora e pesquisadora, por isso sua pesquisa foi incluída também nesta categoria. Assim, em relação às práticas formativas, esse parece ser um contexto privilegiado para a transformação de práticas dos professores que atuam nas escolas do campo.

4.2 Escolas do Campo

Esta nomenclatura vem ganhando espaço nas pesquisas, embora esteja bastante presente nos documentos oficiais. É possível fazer esta afirmação observando as datas em que ocorreram as defesas das pesquisas selecionas. Das dez, metade foi concluída em 2017 e a mais antiga remete ao ano de 2010, mesmo ano em que ocorre o decreto que estabelece uma definição mais precisa quanto ao termo escola do campo. Para analisar essas pesquisas, buscou-se aproveitar a categorização do tópico anterior, acrescentando outras que se fizeram necessárias. No Quadro 2 são apresentadas as pesquisas alocadas em cada categoria.

Quadro 2
Teses e Dissertações de acordo com seus focos de análise

Elaboração das Autoras

Categoria 1 – Levantamento Histórico

O trabalho de Junges (2017) teve como principal objetivo analisar a influência da Matemática no processo de subjetivação de alunos descendentes de imigrantes alemães no Rio Grande do Sul, em uma escola do campo multisseriada. O foco do trabalho está relacionado também com um período histórico específico, denominado período de Campanha de Nacionalização, porém, ao ler o resumo e analisar a planilha com dados retirados da tese é possível perceber que a escola do campo era apenas o contexto no qual o interesse maior estava inserido, que eram os descendentes alemães, não sendo tomada como objeto de estudo.

Drabach (2017) realizou um estudo sobre o percurso de livros didáticos de Matemática destinados à Educação do Campo, traçando um caminho percorrido desde a sua elaboração até a sua utilização pelo professor. O autor aponta vários aspectos relevantes sobre este tema, como a necessidade de enxergar o livro didático como ponto de partida e que não precisa ser seguido como a única referência de material didático. Destaca ainda a necessidade de o livro ter uma remodelagem de acordo com a região na qual ele será destinado, principalmente para o contexto das escolas do campo.

Categoria 2 – Práticas Educativas

Melo (2014) investigou as relações entre o professor e o espaço no qual está inserido, mas cada uma com suas especificidades. O trabalho procurou investigar as articulações entre o conhecimento escolar e os saberes da cultura na prática docente do professor de Matemática. Sua pesquisa buscou evidenciar as práticas que tornam esta escola, uma escola do campo. A escola onde a pesquisa foi realizada promove dois momentos para esta interlocução da cultura com o currículo. Num primeiro momento, trabalham projetos voltados para a realidade das crianças, desenvolvendo um tema planejado e de acordo com a cultura inserida. Em um segundo momento, os assuntos trabalhados em sala de aula são articulados com experiências, exemplos e dúvidas dos próprios alunos. Dessa forma, os professores abrem espaço para uma discussão com os alunos, aproveitando toda a bagagem que eles já carregam e promovendo uma contextualização coerente com o dia a dia dos alunos.

O trabalho de Rosa (2017) buscou identificar como teoremas em ação falsos, já identificados em pesquisas anteriores, manifestam-se nas respostas de alunos de escolas do campo, diante da utilização de questões contextualizadas e em contexto de projetos de modelagem matemática, os quais trataram de conceitos de área e perímetro. Nessa pesquisa, o contexto rural foi trazido pelos alunos e a professora problematizou situações a partir dessa contextualização. Em suas conclusões, a pesquisadora afirma que, mesmo nas questões contextualizadas, os alunos continuaram apresentando teoremas em ação falsos, o que indica que esta prática educativa, da forma como foi conduzida, parece não ter surtido um efeito positivo na formação dos alunos do campo. Porém, quando a proposta envolveu ações mais práticas, relacionadas à modelagem, em uma atividade de pintar muros da escola, o efeito foi mais positivo, pois os teoremas em ação falsos não apareceram. Isso denota que não basta contextualizar sem a participação ativa dos alunos no processo de produção.

Trabalhos como esses mostram caminhos para se trabalhar a cultura camponesa de forma mais pertinente e conectada com as propostas para a educação do campo, apresentando o diferencial necessário quando comparado a outros modelos de ensino, no qual o contexto é completamente diferente.

Categoria 3 – Práticas Formativas

O trabalho de Costa (2018) só possui permissão para ser disponibilizado após 2020, então a análise foi feita unicamente de acordo com o resumo liberado. Em sua tese, ele procurou analisar o curso de formação de professores para a educação do campo com habilitação em Matemática; teve como resultado a identificação de dificuldades dos licenciandos referentes à sua autonomia e à relação do saber fazer e aprender no ambiente universitário. Trata-se da única pesquisa mapeada que discutiu sobre um curso específico de formação para a Educação do Campo. Mesmo não tendo acesso ao trabalho completo, pode-se inferir que existe uma necessidade de se ter um olhar especial também para os cursos específicos para a atuação em escolas do campo, como eles se desenvolvem e preparam os futuros professores; quais as dificuldades e os maiores desafios que esta formação inicial encontra, principalmente pelo fato de não haver um número significativo de cursos de licenciatura do campo no Brasil.

Categoria 4 – Crenças e Concepções

Na dissertação de Nahirne (2017) houve uma preocupação em estudar o contexto de uma escola do campo e como ela interfere nas aprendizagens de seus alunos. Um ponto importante a destacar é o fato da escola se adaptar à comunidade escolar e a partir dela promover as atividades a serem desenvolvidas com os alunos. A pesquisa destaca uma abordagem de ensino bastante inovadora e que parece ser apropriada para o contexto rural. Segundo o autor,

a articulação da Educação do Campo com a Modelagem Matemática pode contribuir para uma educação crítica e de qualidade, pois ambas visam despertar no educando um conhecimento matemático promovido por uma ação reflexiva e transformadora da sociedade. Em decorrência disso, são valorizadas sua identidade, sua cultura e seus conhecimentos, os quais se caracterizam como práticas sociais dos trabalhadores do e no campo. (NAHIRNE, 2017, p. 138).

Conforme discussão proposta na pesquisa, o fato de o aluno se sentir pertencente àquela comunidade e conseguir relacionar as práticas realizadas na escola com o seu cotidiano é essencial para a sua aprendizagem, porém, não foram analisadas e nem identificadas estas práticas, pois as concepções da comunidade a respeito de como o contexto rural influencia a escola e as aprendizagens dos alunos eram o foco do estudo.

Lopes (2016) procurou identificar as concepções dos professores de Matemática em relação ao campo, como eles interagem neste espaço. Uma conclusão que foi possível com esta pesquisa refere-se à compreensão dos professores de que a escola é no campo, para alunos do campo, mas a educação não é do campo, afinal, mesmo com todas as propostas estes alunos recebem a mesma educação que alunos de outros contextos, não há diferenciação alguma. Esta dissertação trouxe, em sua conclusão, reflexões acerca das terminologias para a Educação do Campo e como ela vem sendo vivenciada de fato pelas escolas localizadas em regiões rurais. Mostra o quanto ainda é longo o caminho a percorrer para que de fato tenha-se uma escola do campo, que defenda os interesses do campo. A pesquisa buscou promover uma discussão e reflexão sobre as necessidades para a escola do campo ser do campo.

Leite (2017) buscou analisar, partindo da visão dos alunos de uma turma de Educação de Jovens e Adultos de uma escola do campo, como os conhecimentos matemáticos inscritos na prática do campo contribuíam para o fortalecimento da sua identidade cultural; procurou identificar, ainda, de que forma estes saberes encontram-se presentes na formação escolar no tempo escola e no tempo família-comunidade.

Na pesquisa de Leite (2017) há uma preocupação em identificar o fortalecimento cultural a partir do ensino de Matemática. Como resultado, evidencia-se a participação da escola na transposição do currículo. Essa pesquisa pressupõe a contextualização como ponto de partida para o ensino de Matemática na escola do campo, portanto apresenta como dadas as práticas que levam em consideração as vivências dos alunos, conforme apontado em outras pesquisas.

A pesquisa de Macedo (2010) apresentou as concepções dos alunos do campo em relação ao ensino de Matemática e seus recursos. Durante as entrevistas, a pesquisadora percebeu que a maioria deles associava a Matemática apenas com contas e tarefas de memorização, mesmo tendo uma imagem positiva da área. Este resultado mostra que todo o ensino nas escolas do campo envolvidas foi voltado para questões técnicas, nas quais os alunos não conseguiram fazer nenhuma associação com o dia a dia deles.

A última pesquisa desta categoria é de Junges (2012), que teve como objetivo discutir a relação família-escola no que diz respeito ao desenvolvimento do ensino de Matemática. Essa pesquisa também buscou relacionar a escola e a comunidade com a sua colonização alemã e o fato de estar inserida no campo não era o foco principal, então a categoria que mais se próxima é a do estudo de crenças e concepções, embora esta relação não esteja explícita no trabalho.

5 Considerações

O termo escola do campo ainda está ganhando o seu espaço, tanto nos trabalhos acadêmicos quanto nos documentos oficiais. Muitos utilizam o termo “escola rural” por ser um conceito mais enraizado, derivado de palavras como “zona rural” ou “região rural”. O Decreto 7.352 de 2010 (BRASIL, 2010) estabelece um conceito bem definido para ser utilizado, entretanto, é necessário deixar claro que, embora as escolas sejam definidas como sendo do campo, a educação matemática praticada parece ainda estar distante de uma verdadeira articulação com esta realidade.

Na maioria das pesquisas analisadas, as práticas educativas são pouco evidenciadas. Acontecem, mas não há muita descrição ou relato sobre elas, talvez pelo fato de não serem o foco das pesquisas. Assim, vale destacar a importância dos trabalhos que apresentam práticas, e que colocam os alunos no centro dos processos de ensino e de aprendizagem, como aconteceu nas pesquisas de Lima (2011), Alves (2011) e Rosa (2017). Embora Alves (2011) não tenha inserido o meio rural como contexto das atividades realizadas, a pesquisa mostra que o contexto em que o aluno está inserido não interfere nas suas capacidades de aprendizagem, tendo a mesma predisposição para metodologias que utilizam tecnologia que alunos de outros cotidianos, o que, de alguma forma, valoriza o aluno do campo.

Nos trabalhos que apresentam um relato histórico da constituição de alguns espaços específicos para o desenvolvimento do ensino de Matemática, identifica-se uma preocupação dos professores em contextualizar a disciplina para os alunos, embora sem a preocupação de que esta contextualização esteja relacionada com a seu cotidiano, privilegiando práticas educativas ainda focadas em modelos tradicionais de ensino. Essas dificuldades podem estar relacionadas com a falta de uma formação mais adequada, além do isolamento e precariedade que muitos professores desses contextos vivenciam. As pesquisas de Pacheco (2008) e Lima (2011) mostraram a diferença que um trabalho colaborativo pode proporcionar nas práticas educativas das professoras que participam de grupos nesta perspectiva, com mudanças de concepções e uma participação mais ativa, por meio de projetos.

O contexto colaborativo se mestra como um espaço privilegiado de práticas formativas para professores que atuam nas escolas do campo. Na categoria “crenças e concepções”, reforça-se que os contextos colaborativos se constituem como principal âmbito da prática formativa citada pelos pesquisadores. Já em relação às práticas educativas, destacam-se a utilização de projetos, uso de tecnologia e uso de materiais manipulativos.

A partir deste levantamento foi possível identificar potencialidades de práticas educativas que exploraram as questões do cotidiano rural e sua relação com o ensino de Matemática, assim como pesquisas que apontem práticas formativas viáveis, tanto na formação inicial quanto na continuada, ou que unam, colaborativamente, estas duas fases da formação, criando um movimento contínuo para que o professor se sinta preparado para atender as escolas localizadas nessas regiões.

Referências

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Notas

[1] Uma versão preliminar deste levantamento (SILVA e CRISTOVÃO, 2018) foi apresentada no IV Congresso Nacional de Formação de Professores, realizado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), em Lindóia, São Paulo, no ano de 2018. Neste evento foi apresentado apenas um levantamento inicial, com as 10 teses e dissertações encontradas utilizando-se como critério de busca a palavra-chave “escola rural”. Após a participação no evento e a ampliação da compreensão do próprio objeto de estudos, realizou-se uma nova busca, com a palavra-chave “escola do campo”, termo utilizado pelas pesquisas mais atuais, que se alinham a nova legislação.
[2] A pesquisa realizada por Lima (2011) pode ser classificada nas duas categorias de análise.

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