Conflitos na governança hídrica da bacia do rio São Francisco sob a ótica da colonialidade de natureza

  • Eva Barros University of Amsterdam
  • Fl´ávia Naves Universidade Federal de Lavras
Palavras-chave: conflitos; bacia hidrográfica; colonialidade; Rio São Francisco

Resumo

A governança de recursos hídricos tornou-se, ao longo das últimas décadas, um tema estratégico nos diferentes níveis administrativos. No Brasil não é diferente, entretanto desigualdade e conflitos, que envolvem a governança de recursos hídricos no país ainda é pouco explorada. Assim, o presente artigo busca contribuir para o aprofundamento do debate da governança de recursos hídricos e as relações de poder no Brasil, em específico, na bacia do rio São Francisco. Para isso, partimos de discussões teóricas sobre a colonialidade da natureza, coletamos informações com atores envolvidos na governança hídric por meio de entrevistas que foram interpretadas usando a análise de narrativas. Os achados deste trabalho revelam que o atual modelo de governança de recursos hídricos, adotado na bacia do rio São Francisco, estrutura-se numa consensualidade que esconde relações de poder, em que as decisões estão a cargo de um pequeno grupo, com maior poder e que não representa os interesses da grande maioria que habita a bacia. Os conflitos entre os grupos vulneráveis e grupos dominantes que marcam a bacia do São Francisco são apagados à medida que os primeiros sequer são reconhecidos como atores sociais e cidadãos.

Biografia do Autor

Fl´ávia Naves, Universidade Federal de Lavras

Professora do Departamento de Administração e Economia da UFLA, coordenadora do Laboratório de Estudos Transdisciplinares (LETRA)

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Publicado
2022-01-11
Como Citar
Barros, E., & Naves, F. (2022). Conflitos na governança hídrica da bacia do rio São Francisco sob a ótica da colonialidade de natureza. Além Dos Muros Da Universidade, 1(1), 18-37. Recuperado de https://periodicos.ufop.br/alemur/article/view/5166