Escrita e pulsão: a literatura e seus destinos
Organizadores:
Carolina Anglada (UFOP)
Derick Teixeira (UEMG)
A pulsão (Trieb), segundo Lacan, é o eco no corpo do fato de que há um dizer. Em psicanálise, esse dizer é imaterializável, “força constante” (Freud, 1915), sem aporte na fantasia ou no desejo. Nas palavras de Freud, trata-se de um “conceito fronteiriço”, “representante psíquico dos estímulos oriundos do interior do corpo e que alcançam a alma” (1915). Uma provocação e um desafio à oposição entre o que é inato e o que é culturalmente adquirido, o que é da ordem da sexualidade e os efeitos dos processos de subjetivação. Indeterminado, litorâneo, extrapessoal, esse conceito nunca foi deixado de lado. Ao contrário, por operar numa espécie de zona cinzenta, atraiu a especulação e o pensamento em direção à ficção e ao mito: “A teoria das pulsões é, por assim dizer, nossa mitologia. As pulsões são seres míticos, formidáveis em sua indeterminação” (Freud, 1933).
O pensador alemão, Walter Benjamin, sensível ao que, na arte, manifesta-se como impedimento ao exercício assegurado da liberdade, foi um dos que primeiro valeu-se da Trieb freudiana, no sentido de dar a ver essa espécie de força mítica a que não se deve tentar superar, mas com ela compor dialeticamente. Partindo do “inconsciente pulsional” (Triebhaft-Unbewussten) de Freud, Benjamin imaginou um “inconsciente óptico” (Optische-Unbewussten) em sua “Pequena história da fotografia”: “A natureza que fala à câmera não é a mesma que fala ao olhar; é outra, especialmente porque substitui a um espaço conscientemente trabalhado pelo homem, um espaço que ele percorre inconscientemente” (Benjamin, 1931). O que conta é a percepção de um automatismo e de uma dinâmica, que, no caso da fotografia, é assumido pela câmara, ao trocar o “sujeito da consciência” e seu olhar por um objeto capaz de capturar, por si mesmo, as “características estruturais, tecidos celulares”: “tudo isso tem mais afinidades originais com a câmera que a paisagem impregnada de estados afetivos” (Benjamin, 1931).
Roland Barthes, em sua Preparação do romance, anota: “O ‘Querer-Escrever’ = atitude, pulsão, desejo, não sei bem: mal estudado, mal definido, mal situado” (Barthes, 1978-79). O que suscita o desejo de escrita, bem se sabe, não é o objeto; é o que escapa à determinação simbólica, ao organismo. São fantasmas, signos plurais e vazios, atos sem sujeito, gestos para fora, práticas do neutro. Põe-se em movimento um conjunto de exercícios que não se naturalizam em parte alguma, e que por isso mesmo são circulares, repetitivos, insistentes. Em Sade, Fourier, Loyola, é o pensador quem sublinha que “a escrita, para retomar uma terminologia lacaniana, conhece apenas insistências”. Lacan usa mesmo o termo "insistência" para falar do movimento da pulsão na compulsão à repetição, no qual se insinua um além do princípio de prazer, o gozo. Como pulsões sexuais, contornam supostos objetos e só se tornam conhecidas por esses volteios e séries, pelo processo ativo de variação infinita: “o produto não é distinto da produção, a prática da pulsão (nisso, pertence a uma erótica)” (Barthes, 1978-79).
Propomo-nos, portanto, pensar como esse exercício pulsional, essa “exigência de trabalho” (Freud, 1915), atravessa a escrita e a imagem, culminando em obras que dão destino à pulsão, identificável ou não àqueles circunscritos por Freud: reversão em contrário; retorno à própria pessoa; recalque ou sublimação. Assim, acolhemos nesta chamada contribuições teóricas e/ou críticas, que partam das interseções entre arte e psicanálise, e que deem a ver a pulsão em alguma de suas vertentes: como potência ou virtualidade, pulsão de vida e de morte, letra e transmissão, lalangue e língua pulsional, deriva e destino, erótica e sublimação, mito e unheimlich.
Prazo para submissão dos textos: 28 de fevereiro de 2025
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