Masculinidade e Primeira República: os interstícios entre o discurso psiquiátrico e a normatização social (1922-1947)
Abstract
Foucault em “O Nascimento da Clínica” refaz o percurso histórico onde o hospital, outrora tido como local de assistencialismo social e de preparo diante da morte próxima, se constituirá como local de cura. Modificação no olhar, cuja premissa será cingida na ordem da cura do corpo “anormal”, “doente”, “enfermo”; corpo que carece de – e clama por – intervenção. À vista disso, com a medicalização da loucura e das subsequentes classificações nosológicas, a psiquiatria se revestirá de todos os instrumentos e discursos científicos para interferir e legitimar a sua atuação no corpo desvairado (e não apenas), instituindo a figura do alienista como entidade curativa oficial. No Brasil republicano, permeado pelo projeto de modernização (e de higiene) urbana, muitas ações foram tomadas pelo poder público a fim de sanar o corpo social. Com efeito, este artigo dedica-se ao masculino no período da Primeira República, tendo como pressuposto as construções de gênero que permeiam o masculino, isto é, os pressupostos de virilidade, que, para os gregos, a título de exemplo, possuíam diferentes atributos daqueles referentes ao “ser-homem” republicano. Se para o homem grego era fundamental o culto ao corpo atlético e a educação para o exercício civil (paideia), o homem republicano estava envolto numa nova gama de modificações sociais engendradas pela modernidade; a brutalidade do homem rural cede lugar às benesses modernas e à capacidade de se integrar às novas tecnologias da Belle Époque. Desse modo, aqueles que se encontravam à margem das preconcepções ideais de gênero resvalavam em duas vias possíveis de normatização social: readequação ou isolamento social, por meio do alienismo. Dentro da perspectiva de limpeza social, aliada aos padrões estereotipados do masculino durante o Brasil República, pretende-se investigar neste artigo os estreitos interstícios entre um discurso médico ascendente, cuja ótica sobre o corpo modifica a atuação médica sobre a loucura e as práticas de normatização social adjuntas a este.