Novo prazo (15/09) de submissões para o Dossiê "O Teatro de Grupo ontem e hoje: atos e potências de transformação da arte e da sociedade"

2024-06-27

Envio de artigos até 15 de Setembro de 2024

Coeditores: Ricardo Gomes, Priscilla Duarte, Lídia Olinto

As artes da cena são artes do coletivo, em todas as latitudes, em todos os períodos históricos. A própria cena pode ser definida como o encontro entre duas coletividades, aquela das/dos artistas, coesa e organizada em torno da ação cênica, e aquela das/dos espectadoras/es, temporária, casual, mas representante de uma comunidade maior que a engloba. Devido a esse caráter grupal imanente, as artes da cena podem ser – e têm sido ao longo da história – laboratórios das relações humanas, com desdobramentos éticos, estéticos, políticos, psicológicos e existenciais.

 

Na segunda metade do século passado, porém, surgiu uma forma particular de agrupamento cênico: o Grupo Teatral. Suas raízes remontam aos teatros-laboratório da primeira metade do século XX, mas suas formas de organização, sua ação política e seu horizonte estético de referência (em que pese a multiplicidade e singularidade das poéticas dos diferentes grupos) estão profundamente ligados ao movimento da contracultura e à revolução dos valores dos anos 1960-1970. Há no Grupo Teatral o desejo de recriar, sobre novos alicerces, todo o espectro das relações humanas: das relações de poder às relações afetivas; da criação artística à relação com o mercado; da relação com o espaço cênico à relação com a cidade etc. O Grupo Teatral, portanto, é muito diferente de uma companhia, de uma associação política ou cultural, e até mesmo de uma família; compartilha, porém, muitas características com essas formas de organização social, vivendo, deste modo, imerso em contradições inerentes aos revolucionários, que lutam para superar o passado mas não conseguem se libertar completamente dele.

 

A importância e a potência dos Grupos Teatrais na América Latina e no Brasil pode ser medida pela virulência e violência com as quais eles foram perseguidos e reprimidos pelos governos autoritários endêmicos no Sul global pós-colonial. A luta pela sobrevivência e a busca por efetividade na sociedade levou-os a criar redes de relações artísticas, sociais, culturais e políticas. Esses movimentos tiveram, ao longo da história, diversas denominações. Destacamos apenas três delas, que por óbvio não esgotam o tema, mas são significativas de certas características marcantes desses movimentos. A primeira e mais pervasiva é TEATRO DE GRUPO – se por um lado é uma designação tautológica por outro enfatiza a força do coletivo, da comunidade, como entidade que está acima dos indivíduos (mesmo que historicamente muito grupos tenham se organizado em torno de uma figura carismática e sua concepção de arte e de vida). A segunda é TEATRO INDEPENDENTE – uma designação especificamente latino-americana e com orientação decolonial, que tem suas raízes na criação do Teatro Del Pueblo por Leónidas Barletta, em 1930 na Argentina. Por fim, destacamos o TERCEIRO TEATRO, conceito criado em 1976 por Eugenio Barba para definir características comuns de grupos europeus e latino-americanos que viviam às margens do mercado da cultura e não se identificavam nem como o teatro tradicional nem com o teatro de vanguarda.

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Espetáculo "A saga de Canudos" (2000) da Tribo de Atuadores 'Ói Nóis Aqui Traveiz' (RS). Foto: Claudio Etges.

 

A mais de cinquenta anos de distância das agitações estudantis de 1968 a potência da contracultura parece ter arrefecido. Embora seja inegável que muita coisa mudou de lá para cá, e que essas transformações na sociedade são devedoras das forças despertadas naqueles anos, é também evidente que a onda provocada pelo desejo de transformação radical que aquela juventude expressava chocou-se com os rochedos da realidade e refluiu nas contradições que ela mesma trazia em seu bojo. O momento presente é marcado pela desilusão, pelo adoecimento físico e mental, pela sensação de impotência diante da máquina do mundo, que tritura os sonhos, transformando-os em mercadoria. Mas o momento presente também pode ser o momento de dizer NÃO a tantas formas de opressão que cultivamos dentro de nós por tanto tempo, se formos capazes de nos organizar e lutar para que nossas vozes não sejam reduzidas a discursos artificialmente compartimentados e despotencializados.

 

A grande maioria dos Grupos Teatrais que nasceram nos anos 1960-1970 – e muitos dos seus integrantes – hoje não existem mais. Alguns persistem, talvez menos marginais ou independentes do que já foram, talvez ainda guiados pelos mesmos ideais, com certeza adaptados às novas realidades. Outros grupos sugiram e surgem a cada dia, com suas próprias designações e formas de organização. Se a história é uma forma de buscar no passado as respostas para o futuro, podemos nos perguntar: O que o Teatro de Grupo tem a nos dizer? Esta ainda pode ser uma forma efetiva para atuar contra a máquina do mundo na contemporaneidade?

 

O dossiê “Os Teatros de Grupos ontem e hoje: atos e potências de transformação da arte e da sociedade” deseja levantar essas questões. Estamos abertos a receber artigos e depoimentos de pesquisadores, artistas e artistas-pesquisadores sobre o Teatro de Grupo em suas diversas inflexões e denominações, que abordem desde pesquisas relativas a artistas, grupos e movimentos específicos até pesquisas de caráter mais amplo, sobre questões ligadas ao tema, perpassando as diversas áreas das artes e das ciências humanas.