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Mathematics and Literature: different times, different writings and different us

Matemática e literatura se entrelaçam, pelo menos, desde Mênon, diálogo platônico em que o filósofo usa de maiêutica para fazer com que um escravo se lembre do conhecimento referente ao Teorema de Pitágoras. Não seria errado dizer, portanto, que desde a Grécia Antiga, em diferentes tempos, matemática e literatura se encontram, às vezes fortuitamente, às vezes com maior intensidade, em diferentes escritas: na estrutura poética em decassílabos e tercetos d’A divina comédia de Dante Alighieri e em peças de teatro, como Sabedoria, da monja Rosvita de Gandersheim; nas narrativas que representam problemas matemáticos, como as de O homem que calculava, de Malba Tahan e as de Uma história embrulhada, de Lewis Carroll; na organização da própria estrutura narrativa, como em O castelo dos destinos cruzados, de Italo Calvino e em A vida modo de usar, de George Perec, dentre outros exemplos. Isso abre um campo rico de pesquisa, ainda pouco investigado, sobre os diferentes usos deste material, pois a literatura pode ser, para a Educação Matemática: fonte de pesquisa historiográfica, como Aritmética da Emília, de Monteiro Lobato; livro paradidático, como Geometria na Amazônia, de Ernesto Rosa; inspiradora para a elaboração de sequências didáticas, como feito por Weissheimer (2020) a partir da obra As aventuras do avião vermelho, de Érico Veríssimo; estrutura para a escrita científica, como Chá com Lewis Carroll (MONTOITO, 2011) etc.

Todas estas possibilidades têm, como base, a imbricação entre a linguagem matemática e a língua materna. Ao considerar a relação entre a linguagem matemática e a língua materna, Azerêdo e Rêgo (2016) chamam a atenção para uma aparente dicotomia ou paradoxo:

A matemática possui uma linguagem específica, cujos termos nem sempre guardam relação direta com seu significado da língua materna. Por exemplo: a palavra dividir, em Matemática, carrega conceitualmente o significado de uma operação que pressupõe o desmembramento de unidades em partes necessariamente iguais. O ato de dividir, no dia a dia, pode se dar sem que as partes sejam iguais, ou seja, podemos dividir uma quantidade, na perspectiva cotidiana em partes diferentes. Esse é apenas um exemplo do distanciamento que pode ocorrer entre as duas linguagens, mas o ensino de Matemática, como de qualquer outra disciplina, tem por base a comunicação na língua materna, exigindo do docente o estabelecimento da relação com a linguagem específica (AZERÊDO; RÊGO, 2016, p.159).

 

Estas autoras indicam que, na busca da resolução dessa dicotomia, surge no contexto escolar o “matematiquês”, uma “língua auxiliar”, que se constitui como “um aparato linguístico de frases feitas e de adaptações que, ao invés de contribuir para a compreensão da linguagem Matemática, em muitos casos gera perda de sentido para os estudantes” (AZERÊDO; RÊGO, 2016, p. 160).

Considerando este ponto crucial, faz-se necessário compreender que ensinar a ler e escrever não é tarefa apenas do professor de Língua Portuguesa (NEVES et al., 2011; NACARATO; LOPES, 2009; MORAIS; ARAÚJO; CARVALHO, 2017) e que, atentos às especificidades da sua disciplina, professores de Matemática precisam abrir espaços em suas aulas e pesquisas para atividades que propiciem o ler e escrever sobre Matemática (GONTIJO et al., 2019).

A literatura não é avessa à Matemática, nem a ignora. Ao constar-se que há zonas de diálogo entre a Matemática e algumas obras literárias, aprofundar os estudos nesta temática pode contribuir para que se pense e se criem estratégias outras de pesquisa e ensino que não reproduzam a compartimentalização dos saberes. Nesta direção, pensar uma Educação Matemática intermediada pela literatura é considerar, nos processos de pesquisa, ensino e aprendizagem, além dos conteúdos, a abertura de espaços para a promoção da sensibilidade e da afetividade, pois a narrativa acessa outras dimensões constitutivas do ser, todas elas importantes. Almeida (2006, p. 12) alerta que “privilegiando o cálculo, a objetividade e a lógica e recusando tudo o que é entendido como ilusório, fantasioso e irreal, o ensino formal opera uma redução em relação às potencialidades cognitivas do sujeito humano”, o que não seria desejado. Baumam (2020) também dá razões para se atentar, sempre que possível, a um ensino intermediado por obras literárias. Num capítulo com o provocativo nome A Salvação pela Literatura, o sociólogo polonês tece comentários acerca das aptidões necessárias à formação dos alunos na sociedade pós-moderna, as quais podem ser fomentadas por narrativas:

sensibilidade (olhos e ouvidos bem abertos para as visões e sons do mundo, para aquilo que ele pode oferecer, para os outros que nele habitam, para aquilo que eles podem oferecer e para que eles necessitam a fim de serem capazes de cumprir suas promessas); imaginação e pensamento (acima de tudo, a habilidade de desdobrar a ambos, discernir entre opções e escolher entre elas, bem como juntar determinação bastante para se ater a essas escolhas e mantê-las, agir sobre elas e persistir até completá-las); emoções (capacidade de amar e de se preocupar com o outro, ao mesmo tempo que se ressente e luta contra os males da indiferença, a conspurcação, o malefício, a degradação, a negação da dignidade e a humilhação); razão prática (aptidão para visualizar um modelo de qualidade de vida, assim como reunir determinação para se dedicar à sua realização); sociabilidade e as habilidades e a vontade de associação (o know-how necessário para compartilhar a vida com outros e para viver a sua própria vida tendo o bem-estar dos demais em mente – o desejo e a vontade de compreender as necessidades, os valores e as atitudes uns dos outros, e disposição para negociar um modus vivendi mutuamente satisfatório, assim como para aceitar as autolimitações e os autossacrifícios que esse modus pode demandar) (BAUMAN, 2020, p. 38-39).

 

Todas estas questões – e talvez outras – são do campo da subjetividade, contudo não podem ser ignoradas no processo de ensino e aprendizagem e são válidos os esforços para aproximá-las das pesquisas acadêmicas e atividades de ensino. Há de se considerar, outrossim, que a narrativa, por mais real que pareça, é fantasia e, como tal, diminui o peso da realidade – o não quer dizer, obviamente, que por a narrativa ser algo inventado, a matemática pode ser considerada uma invencionice – e, portanto, integrar a literatura às aulas de matemática pode colaborar para que seja minimizado o sentimento de matofobia (ALBARELLO, 2014; FELICETTI, 2007), que é o medo que alguns alunos têm da disciplina de Matemática, o que dificulta que se expressem em aula e lhes causa baixa estima.

Considerando este amplo cenário, a REVEMOP propõe a Seção Temática Matemática e Literatura: diferentes tempos, diferentes escritas, diferentes usos, visando compor uma fonte de pesquisa robusta para os pesquisadores interessados em pensar as inter-relações entre estes dois campos de saberes. Algumas perguntas balizadoras para esta proposta são:

  • Que diferentes usos da literatura podem ser feitos no campo da Educação Matemática e no ensino desta disciplina?
  • Que metodologias têm sido utilizadas em pesquisas que consideram a literatura como fonte histórica para a pesquisa em Educação Matemática?
  • Como a literatura tem chegado às aulas de Matemática?
  • Como se pensar a literatura em relação com a Matemática nos cursos de formação de professores?
  • Como são as presenças da Matemática em obras outras (Filosofia, História da Ciência ), ao longo dos séculos?

Podem ser propostos artigos contendo resultados de pesquisas, bem como reflexões com contribuições teóricas para as investigações na área, em qualquer nível de ensino. Serão aceitos artigos inéditos, redigidos em português, inglês ou espanhol.

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, M. da C. de. Prefácio - Um alpendre lilás para a Educação. In: FARIAS, C. A. Alfabetos da alma: histórias da tradição na escola. Porto Alegre: Sulina, 2006.

AZERÊDO, M. A. de; RÊGO, R. G. do. Linguagem e Matemática: a importância dos diferentes registros semióticos. Revista Temas em Educação, João Pessoa, v. 25, Número Especial, p.157-172, 2016.

BAUMAN, Z; MAZZEO, R. O elogio da Literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

GONTIJO, C. H. et al. Criatividade em matemática: conceitos, metodologia e avaliação. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2019.

MONTOITO, R. Chá com Lewis Carroll: a matemática por trás da literatura. Jundiaí: Paco Editorial, 2011.

MORAIS, J. de F. dos S.; ARAÚJO, M. da S.; CARVALHO, J. R. (Orgs). Leitura e escrita na escola e na formação docente: experiências, políticas e práticas. Curitiba: Editora CRV, 2017.

NACARATO, A. M; LOPES, C. E. (Org.). Educação Matemática, leitura e escrita: armadilhas, utopias e realidade. Campinas: Mercado das Letras, 2009b.

NEVES, I. C. B et al. Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2011.

WEISSHEIMER, R. F. Literatura infantil e o ensino de geometria nos anos iniciais: as aventuras (topológicas) do avião vermelho. 2020. Dissertação (Programa de Pós-graduação em Educação) – Mestrado Profissional em Educação e Tecnologia, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense, Pelotas, 2019.

 

CRONOGRAMA: 

  • Abertura das submissões: 01 de fevereiro de
  • Encerramento das submissões: 16 de maio de
  • Período de avaliação: de fevereiro a julho de 2024 (todos os artigos passarão pela avaliação de, pelo menos, dois pareceristas)
  • Previsão de publicação: agosto de 2024

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